domingo, 15 de abril de 2012

A CULTURA DO MEDO DO NEOLIBERALISMO, PROPOR CULTURA DA ESPERANÇA.

ARTIGO
BOAVENTURA DE SOUZA
SANTOS, professor em Coimbra
e em Austin (USA) é um dos que
melhor pensa o processo de
globalização a partir do Grande
Sul.Conta-se entre os fundadores do
Forum Social Mundial onde é uma das
vozes mais ouvidas pela pertinência e
originalidade do seu pensamento que
advem do fato de pensar a partir das
alternativas negadas pelo sistema
imperante e que contem sementes
para um outro mundo possivel e
necessário.Sempre tem desafiado as
esquerdas para superarem as
armadilhas que o neoliberlismo lhes
prepara e assim ocupá-las com falsos
problemas e começarem a apresentar
algo realmente novo que poderá
configurar uma saida bem sucedida à
atual crise sistêmica. Leonardo Bof
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Por que é que a actual crise
do capitalismo fortalece quem a
causou? Por que é que a
racionalidade da “solução” da crise
assenta nas previsões que faz e não
nas consequências que quase
sempre as desmentem?
Por que é que está ser tão
fácil ao Estado trocar o bem-estar dos
cidadãos pelo bem-estar dos bancos?
Por que é que a grande maioria dos
c i d a d ã o s a s s i s t e a o s e u
empobrecimento como se fosse
inevitável e ao enriquecimento
escandaloso de poucos como se
fosse necessário para a sua situação
não piorar ainda mais?
Por que é que a estabilidade
dos mercados financeiros só é
possível à custa da instabilidade da
vida da grande maioria da população?
Por que é que os capitalistas
individualmente são, em geral, gente
de bem e o capitalismo, no seu todo, é
amoral? Porque é que o crescimento
económico é hoje a panaceia para
todos os males da economia e da
sociedade sem que se pergunte se os
custos sociais e ambientais são ou não
sustentáveis?
Porque é que Malcom X
estava cheio de razão quando
advertiu: “se não tiverdes cuidado, os
jornais convencer-vos-ão de que a
culpa dos problemas sociais é dos
oprimidos, e não de quem os oprime”?
Por que é que as críticas que
as esquerdas fazem ao neoliberalismo
entram nos noticiários com a mesma
rapidez e irrelevância com que saem?
Por que é que as alternativas
escasseiam no momento em que são
mais necessárias?
Estas questões devem estar
na agenda de reflexão política das
esquerdas sob pena de, a prazo,
serem remetidas ao museu das
felicidades passadas. Isso não seria
grave se esse facto não significasse,
como significa, o fim da felicidade
futura das classes populares.
A reflexão deve começar por
aí: o neoliberalismo é, antes de tudo,
uma cultura de medo, de sofrimento e
de morte para as grandes maiorias;
não se combate com eficácia se não se
lhe opuser uma cultura de esperança,
de felicidade e de vida. A dificuldade
que as esquerdas têm em assumiremse
como portadoras desta outra
cultura decorre de terem caído durante
demasiado tempo na armadilha com
que as direitas sempre se mantiveram
no poder: reduzir a realidade ao que
existe, por mais injusta e cruel que
seja, para que a esperança das
maiorias pareça irreal.
O medo na espera mata a
esperança na felicidade. Contra esta
armadilha é preciso partir da ideia de
que a realidade é a soma do que existe
e de tudo o que nela é emergente
como possibilidade e como luta pela
sua concretização. Se não souberem
detectar as emergências, as
esquerdas submergem ou vão para o
museu, o que dá no mesmo.
Este é o novo ponto de
partida das esquerdas, a nova base
comum que lhes permitirá depois
divergirem fraternalmente nas
respostas que derem às perguntas
que formulei. Uma vez ampliada a
realidade sobre que se deve actuar
politicamente, as propostas das
esquerdas devem ser credivelmente
percebidas pelas grandes maiorias
como prova de que é possível lutar
contra a suposta fatalidade do medo,
do sofrimento e da morte em nome do
direito à esperança, à felicidade e à
vida.
Essa luta deve ser conduzida
por três palavras-guia: democratizar,
desmercantilizar, descolonizar.
Democratizar a própria democracia, já
que a actual se deixou sequestrar por
poderes anti-democráticos. É preciso
tornar evidente que uma decisão
democraticamente tomada não pode
ser destruída no dia seguinte por uma
agência de rating ou por uma baixa de
cotação nas bolsas (como pode vir a
acontecer proximamente em França).
Desmercantilizar significa mostrar que
usamos, produzimos e trocamos
mercadorias mas que não somos
mercadorias nem aceitamos
relacionar-nos com os outros e com a
natureza como se fossem apenas
mercadorias.
Somos cidadãos antes de
sermos empreendedores ou
consumidores e para o sermos é
imperativo que nem tudo se compre e
nem tudo se venda, que haja bens
públicos e benscomuns como a água,
a saúde, a educação. Descolonizar
significa erradicar das relações sociais
a autorização para dominar os outros
sob o pretexto de que são inferiores:
porque são mulheres, porque têm uma
cor de pele diferente, ou porque
pertencem a uma religião estranha.
*BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS
fonte: jornal a folha - funcionários e professores da rede pública.

Um comentário:

  1. Muito bom o artigo! De fato, vê-se hoje que é necessário que além de uma revolução externa, é necessário uma revolução individual interna, ou seja, uma mudança de atitude que vem de dentro para fora. É necessário que pensemos sempre no bem estar do próximo, devemos deixar de ser egoístas.

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