segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

PAI, FILHO E ESPIRITO DO CONTO DE DIAS CAMPOS - SÃO PAULO/SP

Dias Campos
Somo voz


            Ontem à noite fui a uma exposição de arte contemporânea. Confesso, porém, que não queria ir. Mas como prometera esse passeio à minha esposa, alternativa não tive senão a de reunir as forças que me sobravam e partir para o desconhecido, demonstrando bom ânimo o mais que pudesse.
Passado o sufoco por uma vaga no estacionamento – é incrível como centenas de outras esposas tiveram a mesma ideia –, e um outro estorvo logo se avizinhou, pois me esquecera de antecipar a compra das entradas pela Internet. E mais quarenta minutos se passaram até que conseguíssemos entrar.
Foi no próprio rés do chão que meus olhos foram atraídos por uma peça no mínimo exótica. Era um bidê – sim, um bidê! – de porcelana branca desbotada decorado com flores plásticas multicoloridas. Ora, como tudo era vendável, fui ao preço... e, pasmem, milhares de reais deveriam ser desembolsados por quem quisesse contemplá-la a sós no aconchego do lar.
Só que neste mesmo instante, distingui, nitidamente, uma voz há muito familiar. Era Mário Vargas Llosa, que tecia mais de uma consideração.
Entusiasmado, varri com os olhos todo o recinto, na esperança de tornar a abraçar aquele a quem muito estimo. 
Mas não o reencontrei.
Achei tudo isso muito estranho, sobretudo quando, afinando a minha escuta, notei que suas reflexões não só continuavam, como também pareciam permear aquele objeto de admiração. E pensei com meus botões: que maneira singular de se fazer propaganda!
Como me aproximasse daquela coisa – e isso muito agradava à minha mulher, que cria no meu crescente interesse –, mais e mais o intrigante mistério se descortinava. Na realidade, não era o Nobel de literatura, em si, que se fazia ouvir, mas, sim, a sua crítica, aquela mesma que dirigira à obra de Damian Hirst, um tubarão conservado em formol, e que proclamara em A civilização do espetáculo, livro que trata da degeneração das formas artísticas ante o aparecimento de uma sociedade voltada para o entretenimento puro e simples.
Era fato, aquilo que muitos aplaudiriam como uma obra-prima, e que, por isso mesmo, seria vendida a preço de diamantes, desnudava-se no que realmente era e que nunca deixara de ser: uma peça sanitária adornada com flores de mentira.
Mas o pior é que não consegui me conter e acabei revelando ao meu eterno amor o que me ia na alma... E foi a duras penas que consegui contornar esse pequenino deslize, o que evitou que o “climão” que se formara entre nós permanecesse.
Passado esse contratempo – e Deus sabe o quanto me contorci a cada novo pavimento –, e percebi que um aperto me ficara no peito. Afinal, esse fenômeno seria irreversível? Ou, dizendo de outra forma, até quando o declínio da cultura satisfará o modo de ser contemporâneo?
E como da arte prefiro a literatura, somo voz ao filho mais dileto de Arequipa, deixando a todos apenas mais duas perguntas: Por quanto tempo a decadência dominará as prateleiras das grandes livrarias ou fará abarrotar as salas dos cinemas? Será que nossos adolescentes aprenderiam mais com ela, ou será que se seus pais os incentivassem a ler, por exemplo, Vitor Hugo, Fernando Pessoa, Machado de Assis e Umberto Eco, entre outros, eles cresceriam mais bem preparados? Que o digam a criatividade nas redações dos concursos públicos, e as notas que lhes são consequentes!

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