"Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo..." (John Donne)
Manifestação em Natal-RN no dia 20 de junho.
Com relação às mobilizações nas maiores cidades do país, convocadas 
por meio das redes sociais pelo Movimento Passe Livre, não me arriscaria
 a decifrar o seu conteúdo.
Como diz o escritor François Silvestre, trata-se de um “levante ainda
 longe de ser compreendido”. Mas uma coisa é certa: sua motivação vai 
muito além dos meros vinte centavos de aumento nas tarifas de 
transporte.
É bem verdade que diante de um sistema caro e de péssima qualidade, 
em cidades de trânsito congestionado, a luta pela redução do preço das 
tarifas e até mesmo pela sua gratuidade total é uma bandeira que poderá 
agregar multidões. Diante das necessidades na mobilidade urbana e 
acessibilidade das pessoas, o direito ao transporte público de qualidade
 se equipara ao direito à saúde e à educação, consagrados na 
Constituição Federal. Fazem parte do direito à Cidade.
Tomada isoladamente, essa luta se revela incompreensível. Como pode, 
de uma hora para outra, as ruas serem ocupadas por milhares de jovens 
estudantes, em sua maioria de classe média, reivindicando redução do 
preço da passagem em vinte centavos? Não sei se estamos nos dando conta 
do significado desses acontecimentos e muito menos quais seus possíveis 
desdobramentos.
Considerando, entretanto, as condicionantes históricas e o modelo de 
cidade que se formou no Brasil, nas últimas cinco décadas, arriscaria 
alguns palpites nestas linhas. Na cidade especulativa, excludente e 
desigual, semear ventos só poderá provocar tempestades. As pessoas estão
 vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo quase quatro horas 
por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou 
tendo atividades esportivas ou culturais.
Para a Professora Ermínia Maricato, que atuou no Ministério das 
Cidades na gestão de Olívio Dutra, há uma crise urbana instalada nas 
cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro.
 Nos últimos três anos, uma enorme especulação imobiliária elevou os 
preços dos alugueis e dos terrenos em média 150%. O capital financiou 
sem controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro 
ao exterior, transformando nosso trânsito num caos.
Contra o que lutam essas pessoas? Conscientemente ou não, lutam 
contra um modelo de cidade absolutamente esgotado. Cidade não é só casa,
 rua e bairro. É garantia do acesso aos serviços de saúde, à educação de
 qualidade, à segurança pública, aos espaços de lazer, de cultura, de 
esporte. Cidade é gente, é dignidade humana. Ou deveria ser.
Quando Ernest Hemingway escreveu o seu clássico “Por quem os sinos 
dobram”, inspirado na Guerra Civil Espanhola, ao parafrasear o grande 
poeta inglês John Donne, conclui a sua citação “... e por isso não me 
perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” Se perguntarmos
 pelo que esses jovens estão lutando, talvez não exista outra resposta: 
lutam por si. Não numa perspectiva individualista, mas coletivamente.
Lutam pelo seu futuro. Pelo direito às oportunidades, direito à 
dignidade. Pelo direito à Cidade. Por isso, saudamos os últimos 
acontecimentos: essa garotada nas ruas poderá fazer a diferença, em 
favor do Brasil e do nosso povo.
Para onde vai esse movimento, seguramente não sei. Não hesitaria em 
afirmar, porém, que essa juventude tem inteligência o suficiente para 
não ser massa de manobra de quem quer que seja. Nos momentos decisivos 
sabe separar o joio do trigo, se livrar das artimanhas da mídia 
conservadora, afastar os oportunistas e derrotar os inimigos do povo.
*George Câmara, petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB (26/06/13)