Públio José – jornalista
A
cada eleição que o Brasil realiza, conforme constatam os números, mais
cresce o universo dos que escolhem a opção pelo voto branco e nulo –
além dos que simplesmente se negam a comparecer às urnas. O quadro é
preocupante. No fragor das apurações, esse cenário aflora com tal
intensidade nos comentários da imprensa, e na análise dos cientistas
políticos, que chega até a enganar: “ah, dessa vez os políticos, as
lideranças partidárias vão levar esse fenômeno a sério”. Ou: “agora, os
políticos vão se emendar, prestar atenção ao protesto do eleitorado”. E
por aí vai. Realmente, ano após ano, mais cresce o exército dos
desencantados com o mundo político brasileiro, aí considerados os
poderes Executivo e Legislativo. Mancha que, lamentavelmente, também vem
colorindo com tom cada vez mais cinza o Poder Judiciário, seara de
escândalos emergindo ultimamente com nefasta regularidade.
Hoje em dia, é raro o local em que a obrigação (alguns falam em direito
ao voto, mas tal colocação é uma balela em função do voto no Brasil ser
obrigatório) de votar seja vista com bons olhos. É o tipo da
responsabilidade vista por quase todos como um fardo insuportável, algo
de cheiro infecto e sabor nauseante. É bem verdade que na alma do
eleitor – mesmo o mais humilde, o mais desinformado – bate a noção
clara, nítida da importância do voto. O povão sabe que através do voto
se acentuam as conquistas coletivas e as mudanças que se traduzem em
benefícios gerais. Porém, o desencanto, o desalento, a constatação,
enfim, de que uma geração de políticos dos mais diversos partidos está
corrompendo sistematicamente o terreno da administração pública e as
engrenagens do nosso sistema político/eleitoral, faz esgotarem-se mais
rapidamente a cada eleição os limites do civismo e da paciência dos
brasileiros.
Guardadas as devidas particularidades, é como a praga de gafanhotos que
assolou o Egito nos tempos bíblicos e que – é perfeitamente mensurável –
tanto prejuízo causou à economia e à qualidade de vida de um país que
tanto dependia da atividade rural para viver e progredir. No caso do
Brasil, a onda de descrédito na atividade política, nas instituições,
nos governos representa também uma verdadeira praga de gafanhotos a
corroer raizes, caules, galhos, folhas e frutos da terra, tornando mais
improdutivo, a cada ano, o terreno onde a semente da democracia, da
civilidade, da ética, das boas práticas administrativas deveria vicejar e
produzir frutos benéficos a todos. A Bíblia não entra em detalhes sobre
as consequências que os gafanhotos trouxeram ao Egito. Já em relação à
democracia brasileira, o prejuízo é enorme. E não é bom aguardar os
estragos desse malefício para que as providências sejam tomadas.
Porque a realidade está aí. Em certos estados, o número de votos
brancos e nulos ultrapassou o total de votos dados ao candidato que
alcançou o primeiro lugar, enquanto em outros o total de votos brancos e
nulos, adicionados ao crescente universo dos que se negam a ir às
urnas, alcançou marca superior aos 40% do eleitorado – percentual
inquietante, considerando-se o voto obrigatório. Terá conserto tal
cenário? Como se observa, devagar e sempre, a praga de gafanhotos a
atacar o sistema eleitoral – e, por extensão, a democracia brasileira –
não é fenômeno que venha ser deixado ao largo. A incerteza gira em torno
da nova geração que está chegando ao poder. Se empenhada em resgatar a
confiança e o ânimo do eleitorado, ou se contagiada, viciada pelos
métodos dos que estão aí, impunes, engordando à custa da corrução
generalizada. Afinal, o Brasil terá inseticida suficiente ou não para
tratar gafanhoto?
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