Achei esses escritos da escritora Lúcia Helena Pereira, achei por bem compartilhar.
Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Lúcia Helena Pereira
[Cultura 29-11-08 sábado]
“Sou um poema inacabado”, revela Lúcia Helena Pereira em seu blog (www.outraseoutras.blogspot.com). Lúcia Helena é também um furacão em construção.Um tsunami de simpatia.Alguém que sabe que o menor caminho entre dois pontos é uma reta.
O
“poema inacabado” foi a primeira mulher deste Rio Grande a presidir a
AJEB, Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil, no RN e
nacionalmente. Ocupa a cadeira 11 da Academia Feminina
de Letras, tendo como patronesse a sua avó paterna Madalena Antunes –
que dedicou para a então menina de 13 anos na primeira edição de
“Oiteiro”: “À minha netinha Lúcia Helena, para quem as estrelas brilham
no céu da sua alma, oferto o meu romance,
escrito como se fosse uma vênia aos que me acompanharam na bela
jornada, onde , genuflexa e agradecida, rendo minha homenagem ao passado
e às paisagens que tanto encantamento me deram. Por conseguinte, um
livro de reminiscências, de louvores e imensa saudade dos meus
ancestrais e daqueles que me seguiram na trilha dourada do amor e nos
caminhos das dores e belezas. Sua avó, Lhene (Magdalena).”
Com os olhos no presente, mas sem esquecer o passado, Lúcia Helena relembra a avó, a escritora.
DA MULHER PARA A MULHER
LH
-Quando a A.S. Livros procurou-me, através de Cícero, em 2001, com
vistas à segunda edição do livro de vovó Magdalena, fiquei encantada.
Afinal, o amado primo Nilo Pereira lutou muito por essa reedição, mas,
em vão. O fato é que a menina do vale, a dama de olhos oceânicos, a
sinhá-moça (sinhá-Lica) do Oiteiro, como que miraculosamente voltou! E
voltou cheia do feitiço das lembranças fiéis.
Seu livro, numa tiragem
de 3.500 exemplares, integrando a coleção Letras Potiguares, esgotou-se
rapidamente. Eu recebi 05 (dos 100 exemplares prometidos por Cícero),
dos quais só me resta um exemplar, e Uruquinha (Denise Pereira Gaspar)
comprou cerca de 400 ou 500 exemplares, os quais, em noite pré-natalina,
no Ocean Palace, ofereceu aos parentes e amigos numa festa singular.
Lembro-me
do rebuliço desse livro, nos idos de 1956 a 1958 (os festejos
anteriores e posteriores ao seu lançamento). No terraço da velha casa de
vovó Madalena, na Hermes da Fonseca, nº 700, entravam e saíam os
intelectuais amigos da sinhá-moça: Luís da Câmara Cascudo, Manoel
Rodrigues de Melo, Américo de Oliveira Costa, o sobrinho Nilo Pereira
(que vinha do Recife, uma vez ao mês, quando da organização do livro),
Veríssimo de Melo e tantos outros cultores das Letras!
Vovó, em sua
cadeira de rodas, com a paciência de uma santa, em vários momentos
demonstrava suas emoções e víamos lágrimas brincando em seus olhos. Numa
dessas reuniões ela pediu aos amigos: “Deus do Céu, vamos devagar com
esse livro, eu já não tenho uma perna... do jeito que as coisas vão
andando, perderei a outra”. E esbanjava um sorriso da alma.
Antes da
noite de autógrafos, em 1958, no auditório da Fundação José Augusto
(antiga Escola de jornalismo de Natal), vovó recebeu a visita da
redatora-chefe da Revista, “Da mulher para a mulher”, Sra. Maria Tereza e
depois em sua casa.
Assisti essa cena, no velho terraço, com olhos
de menina, olhos de amor e olhos de encantamento. Eu tinha 12 anos de
idade e guardei essa entrevista em minha memória (eu tinha uma edição
dessa revista...).
Uma das perguntas logo surgiu quando a jornalista
Maria Tereza observou-lhe, no olhar, um intenso brilho para um dos
galhos da mangueira secular, junto ao terraço, onde vovó escrevia e um
lindo pássaro construíra seu ninho.
“E essa árvore, dona Madalena, tem alguma importância para seu livro?”
Vovó esboçou suave sorriso, respirou fundo e respondeu:
“As
árvores, menina, também saem dos seus lugares e dão sombra e frutos.
Nelas os pássaros constroem seus abrigos, formam sua ninhada e cantam as
suas sinfonias.”
Madalena
Antunes (25 de maio de 1880) faleceu com 79 anos (11 de junho de 1959),
na sua casa querida da Hermes da Fonseca, onde realizou seu maior
sonho: a publicação do seu livro de reminiscências. Era irmã de Etelvina
Antunes de Lemos (poetisa), Juvenal Antunes de Oliveira (promotor de
justiça, boêmio e poeta) e Ezequiel Antunes de Oliveira (capitão do
exército e médico).
Era filha do tenente-coronel José Antunes de
Oliveira e Joana Soares de Oliveira (proprietário e responsável pela
construção do Solar dos Antunes – 1880).
Há muito que falar sobre os
Antunes e Pereira. Família de escritores e belos poetas. Um exemplo, o
primo Nilo Pereira (maior cronista literário do RN) e Ruy Antunes
Pereira (pai de Uruquinha, Denise), que deixou, em suas epístolas,
motivos sobrados para que Denise e eu organizássemos o seu livro
“Mucuripe, o mundo encantado de Ruy Antunes Pereira”. Dele, bastaria
essa imagem poética para a dimensão maior da poesia de sua alma:
“Estarei sonhando? Este vale existe? E o verde é uma cor, ou um
sentimento” (trecho de uma das cartas de tio Ruy para mim – a “sobrinha
dileta”).
[Lúcia Helena Pereira]
Mário Ivo Cavalcanti - escritor e jornalista. Jornal Dois pontos