tanta fome
mordi as lâmpadas da casa
à procura de um cacho de luz
capaz de adivinhar
o que me queima tão forte.
os panos da cortina eu mordi,
móveis antigos e frutas de plástico,
todos os ossos roídos do cão.
meus dentes trincaram
depois que triturei os pratos de porcelana
e o sangue correu até o cós
da minha saia incoerente.
arranquei os dentes do piano,
dos garfos e dos pentes,
gengivas de objetos inefáveis
e dos óculos, suas lentes.
mastiguei a casa, o tempo,
o fogo da lareira inexistente,
a botija agourenta,
toda a louça encardida dos banheiros.
lambi depois o calor
e o guardei no frasco de vidro
de um antigo poema:
mora agora com milagres,
o meu calor colorido,
habita o espaço vivo da palavra mais cortante.
possivelmente humana.
e úmida.
um vão
quero a alegria dos esquecidos.
a sua vida morna sem medo ou desafetos.
o terraço limpo, os sapatos preenchidos,
e a mesa coberta por uma toalha colorida
abrigando frutas e dores invisíveis.
uma lagartixa louca
de um lado para o outro.
a cerâmica da casa era a mesma.
a poeira, sempre a mesma poeira, era a construção do vizinho.
o ano passou, a poeira foi levando os meus trinta anos pra debaixo do tapete colorido.
e eu sobrevivi.
contando nos dedos cada dia.
desejando ser o último.
vá embora. ande. corra, sua lagartixa louca. acabe.
dizia a dona doida.
sobrevivi aos trinta anos com uma cárie a menos.
um sonho a menos.
um pai a menos.
e se é tempo de voar,
a cerâmica da casa era a mesma.
a poeira, sempre a mesma poeira, era a construção do vizinho.
o ano passou, a poeira foi levando os meus trinta anos pra debaixo do tapete colorido.
e eu sobrevivi.
contando nos dedos cada dia.
desejando ser o último.
vá embora. ande. corra, sua lagartixa louca. acabe.
dizia a dona doida.
sobrevivi aos trinta anos com uma cárie a menos.
um sonho a menos.
um pai a menos.
e se é tempo de voar,
desengaiolo os lírios do meu cérebro de cimento
e deliro.
Iara Maria Carvalho
Currais Novos/RN
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