Biblioteca Central
SESC/RN
BALADA DA TRANSFIGURAÇÃO - PARTE 2
Ciro José Tavares
Diante do espelho de cristal não se reconhece.
Há marcas indeléveis na fisionomia,
halos difusos emitidos do sazonado espírito.
antigas retrovisões guardadas nas retinas
dos recônditos da memória emergem repentinas.
Brincadeiras infantis, esconde-esconde,
amor primeiro que morre sem nunca ter nascido,
virgem menstruada, beijos que acordam o coração,
jogos de sedução nas vesperais dançantes,
parceiro conquistado na magia do altar.
Estranha ou estrangeira refletida no polido vidro
não acredita ser o que foi antigamente,
vendo fios brancos aflorando nos cabelos,
pontos senis espalhados pelo corpo,
seios flácidos,estrias escondidas.
Cores da maquiagem exagerada e outros artifícios
não devolverão o tempo da beleza.
Reconhece-te, estrangeira, vencida diante do espelho.
BALADA DA RESSUREIÇÃO - PARTE 1
Ciro José Tavares
“ir aos poucos subindo, subindo
Até encontrar a boca
E escutar num arpejo o universo parar
Na síncope de um beijo.”
Menotti Del Picchia, in Máscaras
Ressuscitar, mulher, é redescobrir o amor.
Primeiro abraço apertado partindo a lâmina de gelo
Que afoga receios e abre algemas do passado.
Depois deixar que livres, mãos pousem no teu colo
e despida a blusa dedos agitados corram
nos teus seios como rios caudalosos.
Estarás pronta, afinal, para sentir
no teu corpo o calor do amado que te cobre
entre beijos loucos e gemidos vindos da garganta.
Não escutarás sequer as palavras incompreensíveis
Atropeladas pelas nossas vozes convulsivas.
Mas eu ouvirei teu grito lancinante
no momento do encontro do êxtase divino,
e no silêncio posterior o compasso da respiração.
Como lençol diáfano a paz virá sobre teu leito
Para embalar o sono construindo, sonhos
Fênix renascida, mulher redescoberta.