Muito se comenta no Brasil a respeito do alheamento do eleitor sobre as
grandes questões, os grandes temas que envolvem a vida nacional. Pior:
pesquisas, enquetes, levantamentos os mais diversos sempre afunilam para uma
realidade inquestionável: a maioria do eleitorado nem se lembra em quem votou
na última eleição. Além de comprovar o alheamento, a falta de memória do
eleitor nos períodos posteriores às eleições, tal fato demonstra também a baixa
qualidade do debate político e o desempenho pífio dos parlamentares no sentido de
captar e manter acesa a atenção do eleitorado para as questões de importância
ao dia a dia de todos. Seções sonolentas, propostas infantis, descabidas,
dissociadas do interesse geral, chancelam e constroem o afastamento do
brasileiro de tudo (ou quase tudo) do mundo político – e levam-no, além
do mais, ao esquecimento impatriótico em quem votou no pleito passado.
Na qualidade de pessoas alçadas à condição de representantes, de porta vozes do
povo (normalmente mais capacitadas, mais informadas a respeito de leis,
projetos e tudo que envolve a rotina parlamentar), cabe muito mais aos
políticos fazer por onde haja interesse da população do que se aproveitar da
folclórica expressão “o brasileiro tem memória curta”. Ou será de
interesse dos políticos, com raras exceções, manter o povo no desconhecimento
do que se passa nos espaços parlamentares? Nisso aí talvez esteja a resposta a
essa grande chaga nacional. Ou, quem sabe, nesse ponto, resida um grande
impasse... Afinal, até hoje, não está comprovado se a pasmaceira da cena
política brasileira está mais ligada ao baixo desempenho dos parlamentares ou à
secular indisposição do brasileiro em participar da discussão de temas
relevantes, muitos deles imprescindíveis. Nesse sentido, dois exemplos são
gritantes.
Há quanto tempo rolam no Congresso as reformas política e tributária? E o
brasileiro nem, nem. Serão, por acaso, assuntos desimportantes? Ou, quem sabe,
tenha se apossado do brasileiro – por conviver longo tempo com uma
realidade política que quase não lhe chama a atenção – a síndrome do boi
manso, o boimansismo? Assim dito do fenômeno que registra as
características de alguém que tem força e poder para alterar circunstâncias,
mas se entrega a uma inércia, a um imobilismo de intrincada compreensão. Só
assim se explica o comportamento do eleitor brasileiro diante de um contexto
que lhe é sempre tão adverso – e tão necessitado, portanto, de sua adesão
ao debate. E o boi manso? De jovem garrote agressivo, verdadeira força bruta,
impetuosa, transforma-se em pouco tempo em dócil animal quando lhe jogam ao
pescoço a canga da campinadeira ou a estrovenga do carro de boi.
E as manifestações de meados do ano passado, quando milhares de pessoas saíram
às ruas para protestar por uma infinidade de mazelas praticadas pelos políticos
em geral? Muita coisa se escreveu a respeito das manifestações, muita análise
foi produzida, mas em um ponto todos concordam: os protestos pecaram pela falta
de objetividade, pela profusão infrutífera de questões abordadas. Também aí um
comportamento típico de boi manso. Quando se afoba, o boi manso solta coices e
chifradas pra todo lado. Infrutiferamente. Falta-lhe foco, visão, objetivo
definido para atacar. Passada a afobação, volta a ser o mesmo boi manso de
sempre. Forte, robusto, poderoso, porém inerte, incapaz de defender seus
interesses, quedado diante da esperteza do oponente. Das massivas manifestações
do ano passado pouca coisa de concreto restou. A não ser o mugir do boi: mom,
mom, moooooooommmmmmm...
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