A ORDEM
DE MARIA
Públio José – jornalista
O cenário é de uma festa de casamento. Estamos há mais de dois mil anos atrás,
quando Jesus Cristo, seus apóstolos e sua mãe, Maria, comparecem às bodas de um
jovem casal, em Caná da Galileia. Caná vem do hebraico e significa cana. O
nome, assim, provém da proximidade da aldeia com uma área de alagadiço, com
certeza terreno propício à plantação do vegetal. Era também o lugar de
nascimento de Natanael, um dos apóstolos de Jesus, e ganhou fama e notoriedade
como local do primeiro milagre de Jesus. A passagem é clássica e integra o
relato, registrado na Bíblia, do evangelho escrito pelo apóstolo João. Ao que
tudo indica, a festa seguia normalmente quando seus organizadores observam que
ia faltar vinho. (Imaginem a bebida faltar em plena festa! Seria um transtorno
para o noivo!) De imediato, parentes do noivo solicitam a Maria uma intervenção,
uma solução para o problema.
Ela, numa atitude natural, como amiga da família, e também querendo retirar do
currículo da festa o constrangimento geral que redundaria a falta da bebida,
dirige-se ao filho. O gesto de Maria implica várias deduções e ecoa para a
posteridade como semente, lastro, elemento impactante para o acontecimento que
viria a seguir. Da cena se conclui, em primeiro lugar, ser Jesus – pelo
menos até aquele momento – desconhecido no ambiente. Pois, ao invés de
procurá-lo para acudi-los, os responsáveis se dirigem a Maria. Ela, por sua
vez, deveria ter um forte motivo ou, no mínimo, uma vaga convicção de que o
filho representava a solução para o problema. Sabe-se perfeitamente que Jesus
não mantinha nenhum envolvimento com o comércio do vinho. Como é certo, também,
não ter ele à mão, no momento, nenhum elemento que justificasse, humanamente
falando, ser solicitado para sanar a questão.
Qual a explicação, então, para Maria dirigir-se a ele? Por ser seu filho? É
pouco provável. O que Jesus sugere de extraordinário, o que sinaliza, o que
manifesta para que ela o veja em condições de trazer outro desfecho à situação?
Soa estranho, por outro lado – quase beirando à reprimenda – a
maneira como Jesus, em resposta, se dirige à mãe: “Mulher, que tenho eu
contigo?”. Colocada de forma pública, tal afirmação deve ter causado
constrangimento a Maria. O texto, entretanto, não se refere a essa
circunstância nem reporta nenhuma atitude sua decorrente da exclamação de
Jesus. Enigmas à parte, o que se deduz do episódio é que Maria entrou nele como
figura principal – em razão de ter sido vista como solução à falta do
vinho – e saiu como coadjuvante, deixando para Jesus o papel principal do
fantástico enredo. E – mais mistério ainda – portando uma ordem:
“Fazei tudo quanto ele vos mandar”.
Saberia ela, então, dos atributos divinos do filho, já tendo vivenciado
milagres anteriores por ele promovidos, motivo pelo qual fez dele o foco
principal do evento? Ou, além disso, já antecipava sua autoridade de Deus e o
poder de solucionar problemas a ponto de encaminhar-lhe a questão e solicitar
aos presentes obediência a ele “em tudo?” O certo é que a frase de
Maria transcende, em muito, sua própria circunscrição. É a constatação de que
em Jesus estão presentes os atributos necessários e suficientes à condição de
ser procurado, ouvido, seguido, obedecido. Após sua ordem “Fazei tudo
quanto ele vos mandar” Maria saiu de cena, deixando a Jesus o foco, a
atenção, o mando, o poder, a autoridade, entronizando-o no ambiente como pessoa
capacitada a merecer a confiança, o crédito e a obediência dos presentes. E o
vinho? Bom, o milagre aconteceu. Voltou a ser servido. Farto. De qualidade.
Excelente.
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