segunda-feira, 1 de julho de 2013

ARTIGO DO ESCRITOR CIRO JOSÉ TAVARES - BRASILIA/DF



                               OS IDOS DE MAIO 

                                                        Ciro José Tavares*



Fui estudante e participei de muitas manifestações. O movimento contra o professor Soriano Neto, Diretor da faculdade de Direito do Recife, no mês de maio de 1961 foi a maior delas. O mestre, conhecido como pequeno ditador, desafiou o diretório acadêmico, negando o salão nobre da Escola para uma palestra de Célia Guevara de La Sierna, sim, ela mesma, a mãe do comandante Ernesto Guevara. A atitude discricionária colocava o órgão estudantil contra a parede que já havia formulado o convite. Numa reunião extraordinária mantivemos o convite. Soriano resolveu esticar a corda. Suspendeu as aulas, liberou o corpo docente e determinou que as luzes internas do prédio fossem apagadas. Nem a biblioteca escapou numa verdadeira declaração de guerra. O tiro saiu pela culatra, pois acabou provocando a união das diferentes tendências ideológicas existentes na Faculdade. Saímos pelas Ruas do Riachuelo e do Hospício e compramos uma boa quantidade de velas, Ocupamos o anfiteatro do 5º ano, e sob a luz das velas Célia fez sua palestra. O tema versaria sobre a Revolução Cubana, mas em razão dos acontecimentos terminou sendo alterado. Mulher extremamente inteligente, Célia fez uma abordagem de variados assuntos políticos, dialogando e respondendo questionamentos. Ao final fomos jantar e conversar na Torre de Londres, antigo restaurante no parque 13 de maio. Guardei dela excelente impressão, sua simpatia, o modo franco de dizer as coisas. Jânio Quadros havia assumido a presidência e Célia não confiava nele, pois sentia suas inclinações totalitárias. Aquele jeito estabanado dele é enganador, ela dizia com um sorriso nos lábios. Célia morreu de Câncer em Buenos Aires.

No dia seguinte, à noite, o Conselho Universitário reunia-se extraordinariamente para analisar e decidir sobre os fatos. Soriano desejava a intervenção no Diretório Acadêmico e a punição das lideranças. No Diretório, também reunido, esperávamos tensos, mas seguros de que a união era nossa força. Os corredores cheios e as bombas de São João explodindo nos banheiros. Estudantes de engenharia e da Universidade Rural vieram solidários acompanhar o movimento. De repente um funcionário da Diretoria aparece e comunica que o professor Abgar Soriano estava descendo para vir na condição de interlocutor conversar conosco. O presidente do diretório imediatamente transferiu a sede do órgão para o anfiteatro do 5º ano, o mesmo da palestra de Célia. Nós, educadamente sentados nas carteiras, ouvimos o professor Abgar, na elevada  mesa do catedrático diante de nós.

A decisão do Conselho era draconiana: Renúncia dos diretores, abertura de inquérito administrativo contra os mesmos e devolução do espaço onde funcionava a representação estudantil. A Repulsa foi geral e a resposta ao professor rápida e mais contundente: não haveria renúncia nem devolução e os estudantes queriam a saída do professor Soriano Neto da direção da Escola. Podia ter sido emocional, mas havia unanimidade na postura do diretório. Naquela mesma noite o prédio foi ocupado pelos estudantes. Fechamos as portas e lacramos arquivos e gavetas. Ninguém podia entrar salvo aqueles envolvidos no movimento. Paralelamente, os estudantes de Medicina Veterinária e Agronomia, da universidade Rural, embalados pela nossa luta pediram a saída do Reitor por atos de corrupção e também ocuparam a Universidade da mesma forma como havíamos feito. O movimento ganha corpo com decretação, pela UEP (União dos Estudantes de Pernambuco), de uma greve geral. Estava estabelecido o maior conflito reivindicatório que assustou políticos, durou três semanas sem nenhum ato de vandalismo.

*Advogado e Escritor.


  

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