OS
IDOS DE MAIO
Fui
estudante e participei de muitas manifestações. O movimento contra o professor
Soriano Neto, Diretor da faculdade de Direito do Recife, no mês de maio de 1961
foi a maior delas. O mestre, conhecido como pequeno ditador, desafiou o
diretório acadêmico, negando o salão nobre da Escola para uma palestra de Célia
Guevara de La Sierna, sim, ela mesma, a mãe do comandante Ernesto Guevara. A
atitude discricionária colocava o órgão estudantil contra a parede que já havia
formulado o convite. Numa reunião extraordinária mantivemos o convite. Soriano
resolveu esticar a corda. Suspendeu as aulas, liberou o corpo docente e
determinou que as luzes internas do prédio fossem apagadas. Nem a biblioteca escapou
numa verdadeira declaração de guerra. O tiro saiu pela culatra, pois acabou
provocando a união das diferentes tendências ideológicas existentes na
Faculdade. Saímos pelas Ruas do Riachuelo e do Hospício e compramos uma boa
quantidade de velas, Ocupamos o anfiteatro do 5º ano, e sob a luz das velas
Célia fez sua palestra. O tema versaria sobre a Revolução Cubana, mas em razão
dos acontecimentos terminou sendo alterado. Mulher extremamente inteligente,
Célia fez uma abordagem de variados assuntos políticos, dialogando e
respondendo questionamentos. Ao final fomos jantar e conversar na Torre de
Londres, antigo restaurante no parque 13 de maio. Guardei dela excelente
impressão, sua simpatia, o modo franco de dizer as coisas. Jânio Quadros havia
assumido a presidência e Célia não confiava nele, pois sentia suas inclinações
totalitárias. Aquele jeito estabanado dele é enganador, ela dizia com um sorriso
nos lábios. Célia morreu de Câncer em Buenos Aires.
No
dia seguinte, à noite, o Conselho Universitário reunia-se extraordinariamente para
analisar e decidir sobre os fatos. Soriano desejava a intervenção no Diretório
Acadêmico e a punição das lideranças. No Diretório, também reunido, esperávamos
tensos, mas seguros de que a união era nossa força. Os corredores cheios e as
bombas de São João explodindo nos banheiros. Estudantes de engenharia e da Universidade
Rural vieram solidários acompanhar o movimento. De repente um funcionário da
Diretoria aparece e comunica que o professor Abgar Soriano estava descendo para
vir na condição de interlocutor conversar conosco. O presidente do diretório
imediatamente transferiu a sede do órgão para o anfiteatro do 5º ano, o mesmo
da palestra de Célia. Nós, educadamente sentados nas carteiras, ouvimos o
professor Abgar, na elevada mesa do
catedrático diante de nós.
A
decisão do Conselho era draconiana: Renúncia dos diretores, abertura de
inquérito administrativo contra os mesmos e devolução do espaço onde funcionava
a representação estudantil. A Repulsa foi geral e a resposta ao professor
rápida e mais contundente: não haveria renúncia nem devolução e os estudantes
queriam a saída do professor Soriano Neto da direção da Escola. Podia ter sido
emocional, mas havia unanimidade na postura do diretório. Naquela mesma noite o
prédio foi ocupado pelos estudantes. Fechamos as portas e lacramos arquivos e
gavetas. Ninguém podia entrar salvo aqueles envolvidos no movimento. Paralelamente,
os estudantes de Medicina Veterinária e Agronomia, da universidade Rural,
embalados pela nossa luta pediram a saída do Reitor por atos de corrupção e
também ocuparam a Universidade da mesma forma como havíamos feito. O movimento
ganha corpo com decretação, pela UEP (União dos Estudantes de Pernambuco), de
uma greve geral. Estava estabelecido o maior conflito reivindicatório que
assustou políticos, durou três semanas sem nenhum ato de vandalismo.
*Advogado e Escritor.
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