VOCÊ
AINDA SABE CHORAR?
Públio José – jornalista
Quase
diariamente eu vejo pessoas chorarem. Manifestando, através das lágrimas, os
sentimentos dilacerados que carregam dentro de si. Na maioria das vezes são
pessoas hipersensíveis, de um lastro de princípios extremamente rigoroso,
convictas de suas posições e detentoras de muitos sonhos. Também são cheias de
boa vontade, de um desejo imenso de contribuir, de influenciar, de fazer parte
do dia a dia dos outros, do próximo, de sua cidade, de sua região, de seu país.
Destas, muitas têm os nervos sempre à flor da pele, a sensibilidade exacerbada,
o ponto de equilíbrio normalmente estourado, semelhante a um correntista de
banco que tem feito, de forma exagerada, o uso do cheque especial. Estão sempre
no vermelho, expostas demais às intempéries da vida, às agressões naturais que
grassam do meio ambiente social. E choram, e sentem – e declaram sua dor
abertamente através das lágrimas.
Outras não sabem chorar. Estão
esterilizadas por dentro, trancadas em si. De uma forma ou de outra, foram
induzidas a não se manifestar nunca, a não declarar, diante dos outros, o que
se passa em seu íntimo. A vida atual, pela sua extrema competitividade, tem
muito a ver com essa postura. Para essas pessoas o chorar é uma demonstração de
fraqueza, de vacilo, de pequenez de atitudes diante do enorme desafio que a
vida requer de todos nós. Chorar, então, passa a ser um gesto menor, de gente
desqualificada, despreparada para os embates do cada vez mais exigente mundo
globalizado de hoje. Indiferentes ao que se passa à sua volta, essas pessoas
seguem em frente, muitas vezes sem levar em conta o rastro de dor que estão
deixando atrás de si. Não sabem chorar. E isso lhes acarreta uma postura de
vida carregada de insensibilidade, dureza de coração e a relativização de
conceitos e valores.
Para que chorar, imaginam, se
o choro nada resolve? Na sua insensibilidade não vislumbram que, junto com o
choro – ou na ausência dele – desabrocha todo um estilo de vida, um
direcionamento em relação ao meio em que vivem, à sociedade como um todo, e ao
próximo em particular. E que, ao vir, o choro traz em sua manifestação uma
tomada de consciência, um “cair em si” que muitas vezes altera
radicalmente o curso de uma vida. Um terrorista, por exemplo, não sabe chorar.
Um corrupto que rouba o leite de crianças, o remédio dos idosos, que desvia
recursos públicos para seus projetos pessoais e que, com isso, alastra dentro
de si, mais ainda, o fogo da insensibilidade, uma pessoa assim, com certeza,
não sabe chorar. E, com seu “modus operandi” agride, maltrata,
adultera, fere – e muitas vezes, por conseqüência, mata. Insensível,
egoísta, árido, seco – sem nem sentir.
Grandes personagens da
história choraram. Fraqueza ou demonstração de grandeza? Pedro negou Jesus.
Depois chorou – amargamente. E o choro reacendeu nele “a palavra
que o Mestre lhe ensinara”. A partir daí nunca mais foi o mesmo. Jesus
também chorou em inúmeras ocasiões, principalmente por sentir, momentos antes
da sua prisão, a que ponto chega a avareza de homens voltados tão somente para
seus próprios interesses. Mas, para os que não choram, ou desaprenderam a
chorar, há sempre a oportunidade do reaprendizado. Acompanhado sempre,
lamentavelmente, de um grande sofrimento, de uma grande dor. É o preço, por
exemplo, que corruptos arrependidos têm que pagar para se reencontrar com o
lado benéfico do choro. Limpando-se por dentro e redescobrindo a prática do
sentimento de respeito para com os outros. Alegre-se se você ainda sabe chorar.
Por sinal, você ainda sabe?
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