Sexta-feira 13 (em homenagem a)
Por Valter Pomar*
Semana
de aniversário é época de parabéns. Sexta-feira 13 é simbólica, mas
data pouco recomendável. Sábado de carnaval definitivamente não encaixa.
Talvez por isto esta reflexão sobre a trajetória de 35 anos e os
desafios do Partido dos Trabalhadores tenha virado domingueira.
Como na maior parte de sua vida, o PT está sendo alvo de intenso bombardeio por parte de seus inimigos.
Contra estes, nossa principal defesa consiste geralmente em falar do que significamos na história brasileira e mundial.
Contra
a direita, este argumento é no fundamental adequado, pois no fundo os
críticos de direita nos atacam devido a nossas qualidades, não devido a
nossos defeitos.
Contra os críticos de esquerda, contudo, falar do que significamos e do que fizemos não é suficiente.
A maioria dos críticos de esquerda foi petista ou esteve aliada conosco, em algum momento desde 1980.
O
foco principal de sua crítica não é o que significamos ou fizemos no
passado. Eles não criticam nossas qualidades (embora muitas vezes as
omitam ou minimizem). O foco principal de sua crítica é o que estaríamos
fazendo agora e no que estaríamos nos transformando.
Parte
dos petistas reage aos críticos de esquerda, usando o mesmo argumento
que utilizamos contra os críticos de direita. E quando isto não
convence, há quem apele desqualificando os adversários.
Comparar
o tamanho dos críticos de esquerda com o tamanho do PT é — quanto a
técnica argumentativa — um método digamos meio infantil. O PT já foi
pequeno e já foi vítima deste tipo de crítica.
Desancar
o esquerdismo — tarefa sempre necessária, tanto quanto desancar o
direitismo de certos petistas e aliados — tampouco resolve o problema,
pois mesmo que o esquerdismo esteja errado em 99% dos assuntos, isto não
quer dizer que também estejam incorretas todas as críticas que fazem ao
PT.
Há
outro motivo pelo qual não adianta responder aos críticos de esquerda
usando o mesmo argumento com que respondemos aos críticos de direita.
A
saber: hoje, a maioria das pessoas que critica o PT são… petistas,
eleitores, simpatizantes, filiados ou militantes, que fazem críticas de
todos os tipos: contra a presidenta, contra os ministros de
centro-direita, contra os ministros petistas, contra a ação (e/ou
inação) do conjunto do governo, contra as bancadas parlamentares, contra
os governadores e prefeitos, contra a direção nacional do Partido,
contra as tendências em geral ou contra algumas tendências em
particular, contra Lula mas também contra a atitude dos filiados
“comuns” e “anônimos”.
Não apenas há críticas de todos os tipos, mas há também críticos de todos os tipos.
Por
exemplo, não passa uma semana sem que algum líder importante (em alguns
casos, importantíssimo) das tendências majoritárias do Partido faça
críticas “de fundo”.
(O que me lembra o ocorrido numa reunião de que participei, num determinado país latino-americano: um compañero
discorria sobre as reformas que estavam em curso em seu país. A certa
altura, este compañero disse que estas reformas, iniciadas por volta de
2006, já tinham sido propostas em 1986 pelo grande líder de seu partido.
Tal elogio motivou o seguinte comentário de outro participante da
conversa: “o grande líder de vocês é realmente um cara disciplinado.
Desde 1986 ele defendia as reformas, mas só a partir de 2006 elas
começaram a ser implementadas. Ou seja, apesar de ter sido
secretário-geral e líder inconteste de seu partido durante todo este
tempo, ele na verdade era minoritário, as coisas que aconteciam eram
contra sua opinião e vontade. Só depois de vinte anos ele tornou-se
majoritário no partido e pode então fazer o que ele defendia há tanto
tempo”.)
Também
não passa uma semana sem que algum blogueiro (geralmente acusado pela
direita de “simpatizante do PT”) faça diagnósticos e proponha medidas
corretivas, utilizando várias “entradas”, portas e janelas para entender
e explicar o que está ocorrendo hoje (ou há tempos) com nosso Partido
dos Trabalhadores.
Há quem prefira remeter nossos problemas atuais à postura do sindicalismo frente a ofensiva neoliberal dos anos 1990.
Há quem prefira falar da acomodação progressiva ocorrida em nossos governos municipais, estaduais e federal.
Há
quem prefira falar dos mandatos parlamentares, bem como da
transformação de parte da militância voluntária em cabos eleitorais.
Há
quem prefira falar do que houve com as estruturas partidárias, com
redução do número, importância e ativismo dos núcleos, da perda de
critérios no processo de filiação etc.
Há
quem prefira concentrar sua crítica nas opções feitas pela presidenta
Dilma após o segundo turno, deixando no ar que a partir de 2019
poderíamos voltar aos “bons tempos”.
Mas poucos tem colocado na mesa a “mãe de todos os problemas”: a estratégia do Partido.
Depois
da derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do Partido
entendeu que era necessário mudar de estratégia. Houve resistências e
uma intensa luta interna entre 1990 e 1995. A partir de então e até
2005, houve uma expressiva maioria no Diretório Nacional e nos
diretórios estaduais a favor da nova estratégia.
O objetivo do Partido, que era derrotar o capitalismo e construir o socialismo, foi colocado de fato em segundo plano.
O objetivo do Partido passou a ser de fato derrotar o neoliberalismo e administrar um capitalismo não-neoliberal. O socialismo continuou sendo de direito nosso objetivo final, mas foi empurrado para far, far away. Alguns setores foram além e começaram a dizer que socialismo seria democracia + bem estar social + economia de mercado.
Como o objetivo estratégico passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores da burguesia passaram a ser considerados aliados estratégicos. Em
nome disto, passamos a realizar cada vez mais alianças com partidos de
centro e direita, que expressavam exatamente os interesses daqueles
setores da burguesia.
Novamente,
alguns setores foram além e começaram a fazer alianças com o capital
financeiro e com o PSDB, ou seja, com a máxima expressão do
neoliberalismo tupiniquim.
(Faz
muito tempo, mas é bom lembrar que bem no início dos anos 1090, o
Diretório Nacional do PT debateu uma proposta que considerava o PSDB
como parte do campo democrático popular. Se a memória não falha, a
proposta foi aprovada.).
Mudou o objetivo estratégico, mudaram os aliados estratégicos, mudou também a via de conquista do poder.
Antes, nosso caminho para o poder incluía participar das eleições e exercer mandatos. A luta institucional era um meio, não o fim.
A
luta institucional era parte da estratégia (integrada também pela luta
social, pela organização partidária e pela disputa ideológica, cultural,
de visões de mundo).
Mas
ao longo dos anos 1990, a luta institucional foi progressivamente se
tornando “a” estratégia (subordinando os demais aspectos).
A
mudança no objetivo estratégico, a ampliação da política de alianças e a
ênfase na via institucional não impediram a nossa vitória em 2002. A
mudança na estratégia tampouco impediu que nossos governos federais,
estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.
Mas,
contudo, todavia, entretanto, porém, a estratégia adotada entre 1995 e
2005 possui um grande “defeito de fabricação”, que pode ser explicado
assim:
1)
para continuar melhorando a vida do povo, é preciso fazer reformas
estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a tendência é o
retrocesso nas condições de vida do povo;
2) chegamos ao governo, mas não conquistamos o poder. E os que detém o poder estão ameaçando nossa continuidade no governo;
3)
como a estratégia atual não contempla a luta pelo poder nem as reformas
estruturais, seguir adotando esta estratégia nos levará a administrar o retrocesso e ajudar em nossa própria derrota.
Noutra
palavras: a estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe
até certo ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra
estratégia, talvez não. Independente disto, para ir adiante precisamos
de outra estratégia.
Uma estratégia que por exemplo…
…reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos reformas estruturais.
…construa as condições políticas para fazer reformas estruturais.
…recoloque o socialismo como objetivo estratégico.
…que reconheça que o grande capital é nosso inimigo estratégico.
…que não acredite nos partidos de centro-direita como aliados.
…que retome a articulação entre luta social, luta institucional, luta cultural e organização partidária.
…que retoma a necessidade do partido dirigente e do campo democrático-popular.
Em 2005 ficou clara a necessidade desta nova estratégia.
Em
2005, criaram-se as condições para eleger uma nova direção para o
Partido, entendendo direção no duplo sentido da palavra: no sentido de
núcleo dirigente e no sentido de rumo estratégico.
Mas,
como sabemos, entre o primeiro e o segundo turno das eleições
partidárias de 2005, um importante setor da esquerda petista desistiu e
foi para o PSOL.
Em
parte por isto, o resultado foi a eleição de um presidente nacional do
PT comprometido com algumas mudanças na implementação da estratégia, mas
não comprometido com a adoção de uma nova estratégia.
As
mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente no Partido,
contribuíram para que o governo fizesse uma inflexão à esquerda e nos
permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a
estratégia continuou a mesma.
As
consequências disto ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de
2014 e no início do segundo mandato de Dilma. Com o agravante de que
outros setores da esquerda petista também adoraram como programa máximo
fazer mudanças na estratégia (não por acaso estão enredados pelo ajuste fiscal recessivo “levítico”).
Embora os impasses estratégicos apareçam agora com ainda maior nitidez, é preciso dar à Dilma apenas o que é dela.
As
escolhas estratégicas feitas pelos grupos atualmente majoritários são
anteriores ao ingresso de Dilma no PT. E as opções feitas pelo governo
neste primeiro bimestre de 2015 são da mesma natureza que as opções
feitas por Lula no biênio 2003-2004.
A
diferença é que as condições mudaram completamente. O grande capital
mudou de atitude, os setores médios mudaram de atitude e parcelas
crescentes da classe trabalhadora mudaram de atitude. Ou mudamos de
estratégia, ou nossos próximos aniversários serão cada vez mais
difíceis.
PS:
durante a redação deste texto, fomos informados do falecimento de três
companheiras, num acidente de carro ocorrido no caminho para a Chapada
Diamantina, neste sábado 14 de fevereiro. Lurdinha Rodrigues, Célia e
Rosângela Rigo: nossa solidariedade aos familiares, amigos/as e
companheiros/as de militância.
* Valter Pomar é historiador e militante do PT
fonte: por e-mail
Nenhum comentário:
Postar um comentário