Completados 10 anos do afundamento da Plataforma P-36 da Petrobras, encaminhamos para reflexão o artigo de autoria do Vereador George Câmara publicado originalmente no jornal Diário de Natal em 21/03/2001 e rememorado hoje (21/03/2011) em alusão aos 10 anos de ocorrido deste triste fato.
Aos Petroleiros, heróis anônimos
George Luiz Rocha da Câmara
Reflexões por ocasião do afundamento da Plataforma “P-36”, na Bacia de Campos/RJ, fruto do criminoso desmonte neoliberal no Brasil.
O que dizer de uma atividade que, por sua natureza e condições de trabalho, chega a desestruturar o ser humano?
E se essa atividade for, paradoxalmente, aquela que permite estruturar a família desse mesmo ser humano?
Algumas atividades podem submeter o trabalhador a uma condição de insalubridade, também considerada pelos estudiosos como “morte lenta no trabalho”. É o caso de alguém trabalhar submetido ao risco de inalação de produto químico nocivo à saúde, que mata aos poucos.
Quando se aposenta, caso consiga, não é raro aparecer alguma doença fatal, de origem quase sempre ligada à sua atividade profissional. Não resta dúvida que se trata de uma brutal condição.
Outras atividades expõem o trabalhador a um tipo diferente de risco: a periculosidade, condição que se traduz na possibilidade da chamada “morte brusca no trabalho”, também objeto de estudo de especialistas.
Consiste no trabalho em tais condições de perigo, em locais de tão elevado risco que, mesmo dormindo, está submetido à possibilidade de uma morte brusca decorrente de qualquer explosão inesperada, em fração de segundos. Também aí, é brutal a situação.
No setor petróleo, não é raro acontecer simultaneamente a dupla exposição: lenta e brusca. O curioso é que essa dupla condição, que contribui para desestruturar quem nela se encontra, é encarada ao mesmo tempo como aquela que possibilita estruturar a sua vida e de sua família. Num mercado de trabalho fortemente marcado pelo desemprego e baixos salários, não há outra escolha.
Sem tirar o mérito dos demais profissionais, nas diversas atividades humanas, essa contraditória situação faz do petroleiro um ser singular. Senão, vejamos:
1 – Mesmo trabalhando distante da família é considerado, por desconhecimento da sociedade, como um privilegiado, até pelo fato de não estar desempregado. Afinal, “em terra de cego, quem tem um olho é rei”;
2 – Trabalha em situação insalubre e periculosa, simultaneamente, para prover as condições de saúde e retirar do perigo da fome e da miséria a sua família;
3 – Vítima dos efeitos da terceirização, é pressionado pelo mercado a uma situação de ataque aos seus direitos, pois se não aceitar entra outro no seu lugar, a um custo muito mais baixo, ainda que sem preparo;
4 – Enfrenta sucessivos cortes nos postos de trabalho, numa redução criminosa de mão-de-obra que desemprega, por um lado, e sobrecarrega, por outro, levando muitos à loucura e aumentando os casos de suicídios, conforme comprovam as estatísticas dos próprios órgãos governamentais;
5 – Como cidadão, assiste à tragédia social patrocinada pela elite dirigente, que vende a soberania do país, retira os direitos sociais e solapa a democracia;
6 – Nesse verdadeiro desmonte do patrimônio público, consegue, até pela proximidade dos riscos, enxergar que a privatização neoliberal de Fernando Henrique Cardoso transforma a sua fonte de sobrevivência em bomba-relógio;
7 – Presencia o processo de desmoralização que os dirigentes da Agência Nacional de Petróleo e da Petrobras – aí incluídos o genro de FHC e o seu amigo banqueiro francês – patrocinam contra essa empresa símbolo da nação brasileira;
8 – A cada dia, contribui com mais um passo para a auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo, em que pese a abertura do setor para o capital estrangeiro, mais uma obra inaugurada pelo governo de Dom Fernando.
Diante de tudo isso, enfrenta a pior dor. A de ver que uma pequena corja de maus brasileiros, que dirigem o nosso país para o rumo do abismo econômico e social, nada fazem a não ser destruir tudo aquilo construído pelos petroleiros e por todos os demais brasileiros dignos, de ontem e de hoje.
Aos heróis anônimos, uma certeza: nada vai fazê-los baixar a cabeça ou perder a dignidade. Cada gota de óleo derramado, cada incêndio que se soma à tragédia que virou rotina, é um recado aos demais brasileiros, para que, unidos, possamos dizer: Basta!
George Câmara - Petroleiro, Diretor licenciado do SINDIPETRO/RN e Vereador em Natal pelo PCdoB.
Publicado no jornal Diário de Natal de 21/03/2001 (4ª feira) – Página 2 – Opinião e no livro “Da Janela da Metrópole” de autoria de George Câmara.
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