HISTÓRIA DO RN: JOSÉ TAVARES - PARTE II
VELHO TAVARES - PARTE II - Por Dr. Ciro Tavares
ONOFRE LOPES
As credenciais da velha estima, a fraternal intimidade, o conhecimento
do homem no seu valor humano e na sua intensidade de espírito são a
chave que esta Academia depôs em minhas mãos para abrir as suas portas
na saudação da imortalidade e que hoje se investe o cirurgião, o
professor universitário José Tava\res da silva, o meu velho Tavares. Mas
será que o José Tavares é um literato? Escreveu livros, fez crítica,
ensaios e romances? Onde estão as suas obras? Respondemos: Sim! José
Tavares é homem de letras! A sua obra está esculpida em 40 anos de arte.
Está gravada nas salas de cirurgia, nas enfermarias, nos lares, no
coração e na memória da cidade. Está na ajuda que deu aos colegas, está
no ensino que ministrou aos seus alunos, está no exemplo de dignidade
profissional, na austeridade e na beleza do gesto que faz da Medicina
arte divina. Em tudo se vê uma poesia, um ritmo, uma eloquência. E a sua
cultura humanística e a atualidade dos seus conhecimentos científicos?
Não é ele um mestre da técnica cirúrgica, no manejo dos métodos
terapêuticos e das sutilezas dos movimentos hidrossalinos? Não é ele o
conhecedor dos grandes centros cirúrgicos da América e do Velho mundo?
Não é ele um cultor da língua que define a nossa raça e fixa as nossas
tradições? Não é ele que, sem preocupações literárias, sabe dar beleza e
dignidade à linguagem, por seu estilo, fidelidade e clareza? Na época
em que vivemos, no império dos números, da massa, da força, da máquina,
quando as artes enlouqueceram e o Parnaso morreu, aquele que disciplina
emoções e preserva firmeza espiritual é um esteta.nos seus escritos, nos
seus discursos, não há parábolas nem alegorias; não há requintes nem
retórica; não há vaidades nem esnobismos. Há o exato, o necessário para
exprimir a verdade do seu pensamento.na sintática ou na linguagem; n
produção literária e nos voos da imaginação, talvez não seja um
estilista; mas a conduta do pensamento, a singeleza da forma, o zelo
gramatical levam o médico, o cirurgião, o professor catedrático, o homem
de cultura às raias de outra missão: um servidor das letras. Os valores
humanos se medem pela soma de todas as ações que imprimem no tempo o
esforço criador da espécie. As letras são um instrumento a mais da ação
do pensamento. Nem sempre a obra da arte da literatura é um livro.
Revela-se, também, na coisa criada, pela sua profundidade e conteúdo.
Imortalizamos o espírito criador. Fixemos na história a perfeição das
coisas que inspiram a beleza da vida. Um bisturi tem também a sua
linguagem nobre. Tem arte e ciência, tem sensibilidade e emoção. Faz as
mais belas preces e suporta os maiores sacrifícios para acalmar os
ventos das ruidosas tempestades da vida.
A Tavares nunca se lhe
escasseou a emoção poética, a inspiração artística ou a eloquência para o
bem. não escreveu livros, mas espalhou cultura. As vitrines não
ostentam volumes seus, mas uma cidade inteira aplaude sua figura humana
frente ao templo da imortalidade. O marechal de Saxe e o Duque de
Richelieu, os médicos Francisco de Castro e Miguel Couto, na Academia
Francesa e na Academia Brasileira, não eram profissionais das letras, mas
se imortalizaram na memória do tempo que Molière, Descartes Pascal,
Diderot, Balzac não pertenceram às Academias. Nem se tem a esperança de
ver repetida a fase áurea da geração de Olavo Bilac, Paula Nei, Arthur
de Azevedo, Sílvio Romero, Machado de Assis, Coelho Neto, Joaquim
Nabuco, José do Patrocínio. Muito menos a ressurreição da livraria
Francisco Alves, da Garnier, da Lapa, da Rua do ouvidor, da Gazeta de
Notícias, do jornal do Brasil, das polêmicas e das boêmias. Estamos em
face de uma tumultuosa revolução da vida literária, de uma depressão o
sentimento literário, como atividade exclusiva. Aqui e em toda parte.
Vemos ruínas d velhos tesouros, e ao mesmo tempo experimentamos o
sortilégio de um espírito novo, na vertigem dos espaços, desligados do
passado e da história. A literatura e as artes, como ornamentos das
ideias estão de nova roupagem. Mas, estilo, beleza, fidelidade definem o
espírito, o caráter, a origem e o gênio da raça, na marcha do tempo. É
preciso manter e avivar a chama do bom gosto, como instrumento de
afirmação de um povo. O homem de letras é o guardião, aquele que esculpe
e perpetua a vida na sua beleza, na sua eternidade.
Tavares, velho
Tavares: A Academia o elegeu. Reconheceu que você fez obra imorredoura e
realizou o ideal de cultura do seu tempo. Você fez outra obra
literária. Esta é uma festa do espírito. É um reconhecimento. É uma
justiça. É um aplauso. Estamos, por isso, de coração aberto, assim
alegres e fraternos. Receba desta Casa, que bem soube alargar as portas
para recebê-lo. Os que aqui chegam pelo que fizerem, poderão dizer, como
Horácio, que não morrerão de todo. Venha, pois, para a imortalidade.
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