VELHO TAVARES PARTE I
Onofre Lopes
Faz já algum tempo... as cenas me chegam à memória apenas em retalhos,
resto de passado que faz história. Sei que, como adolescente ambicioso,
fiquei cheio de inveja: Viram? Hoje houve um exame de francês que
assombrou! É só no que se fala!... Foi um estudante, José Tavares, que
fez exame todo tempo falando em francês! Cabra danado de
inteligente!...Formidável, todo o exame em francês!
Não andava eu
ainda fazendo preparatórios. Nunca havia entrado no Ateneu. Chegara
recentemente do interior. Estava ainda bem brabo. Mas,gravei o
interessante comentário e recolhi o nome de José Tavares, como se faz
com as moedas de valor. Foi no tempo em que, menino empregado no
comércio, primeiro na Casa de Ferragem de Francisco R. Viana, na Rua
Dr. Barata, e, depois, no Armazém de Estivas de M. Rocha, na Rua Chile
eu procurava caminho na nebulosa, e, nos tropeços, meio ambição, meio
confiança, todo esperança, vagueava pelas salas de aula noturna do Dr.
João Batista, do Mestre Ivo Filho, do Prof. João Tibúrcio depois, bem
mais tarde, nas bancas de exame do Ateneu.ouvia falar das vitórias dos
que estudavam, dos anéis vistosos de quem se formava, da importância
social, da elegância no vestir daqueles que vinham das Faculdades. Era,
também, o tempo em que outros estímulos me excitavam: pessoas humildes,
puras, boas, habituais das “vendas” dos meus irmãos João e Pedro Lopes,
onde eu vivia e sonhava, contavam com exagero os milagres da
inteligência de Rui Barbosa, recitavam Fagundes Varela, Olavo Bilac,
Álvares de Azevedo, Castro Alves.
E, para maior motivação, via o
jovem Bacharel kerginaldo Cavalcanti, inteligente, bem trajado, de
passos largos e resolutos, espargindo vitórias, fazendo discursos
floridos de estrelas...
Não ouvia mais falar em José Tavares. Estava
longe, cursando a Faculdade de medicina do Rio de Janeiro.Reapareceu em
meados de 1927, agora médico. Médico sem aquela velha austeridade. Era
magro, de algum, bigode, calças largas, folgazão, comunicativo e humano.
Chegou de bisturi na mão sabendo falar melhor o Francês e, já agora,
também o Alemão e o Espanhol. Em Natal, não se fazia ainda cirurgia,
como especialidade exclusiva. Somente o saudoso Januário Cicco, sempre
capaz, hábil e culto, operava excepcionalmente os casos de urgência e os
acessíveis à sua técnica.
José Tavares e Luís Antônio, formados
juntos, amigos inseparáveis, o cirurgião moderno e o clínico geral
seguro da medicina do tempo. Duas inteligências agudas na cidade
provinciana e bucólica. Cidade de pouco ruído, de pouca gente, de ruas
arenosas, de pregões de tabuleiro na cabeça.mas, nela também existiam as
adormecidas canções e alma que Goethe via em todas as coisas. De pouca
eletricidade, mas de céus iluminados e escampos, podia-se escutar o
silêncio e ouvir estrelas, na rimas dos poetas e na plangência das doces
serenatas. Tudo na cidade era pequeno, ou era pouco. De médicos, além
de Januário Cicco e Varela Santiago, como figuras centrais, havia Otávio
Varela, Ernesto Fonseca e, mais tarde, Aderbal de Figueiredo, todos do
melhor conceito e respeitabilidade.
José Tavares e Luís Antônio
chegaram plenos de novas energia. Fizeram uma revolução. Revolução na
Medicina. Revolução no antigo hospital Juvino Barreto. Solteiros,
fizeram também revolução no belo sexo. Alegres e traquinas eram os donos
de tudo e de todas... Quem sabe se, por aí, ainda não há restos de
ilusões que pedaços de alma recordam com ternura? Dois grandes
profissionais vivendo a técnica e o progresso da Medicina contemporânea,
sempre com grandeza d’alma, sempre sarcedotais. Em 1933, quando chegava
do Rio de janeiro, também formado em Medicina, é que vim conhecer José
Tavares, é que retomei a moeda guardada. Senti que devia tratá-lo de
doutor. Era um grande nome e eu mais jovem. Mas, a sua simplicidade, a
sua jovialidade e o coleguismo franco e largo eram tais que a intimidade
veio depressa e espontânea. Passei a chamá-lo de Tavares. Hoje, chamo-o
de velho Tavares, modo que uso para dizer querido e velho amigo. Amigo
de todas as horas. Sempre solícito e leal desprendido e bom. Na minha
condição de aprendiz de cirurgia, nunca me faltou a sua palavra de
encorajamento, nunca me faltaram os seus ensinamentos, nunca me faltou
sua orientação sensata e segura na conduta operatória. Eu dizia que ele
era o meu Lejars, pelo estímulo que sabia dar, por sua presença
constante e incansável em apoio das intranquilas sessões cirúrgicas,
como fazia esse incomparável autor de A Cirurgia de Urgência.
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