quinta-feira, 23 de agosto de 2012

HISTÓRIA DO RN: TRAJETÓRIA DE VIDA DE JOSÉ TAVARES - PARTE 1


  • VELHO TAVARES PARTE I

    Onofre Lopes
    Faz já algum tempo... as cenas me chegam à memória apenas em retalhos, resto de passado que faz história. Sei que, como adolescente ambicioso, fiquei cheio de inveja: Viram? Hoje houve um exame de francês que assombrou! É só no que se fala!... Foi um estudante, José Tavares, que fez exame todo tempo falando em francês! Cabra danado de inteligente!...Formidável, todo o exame em francês!
    Não andava eu ainda fazendo preparatórios. Nunca havia entrado no Ateneu. Chegara recentemente do interior. Estava ainda bem brabo. Mas,gravei o interessante comentário e recolhi o nome de José Tavares, como se faz com as moedas de valor. Foi no tempo em que, menino empregado no comércio, primeiro na Casa de Ferragem de Francisco R. Viana, na Rua Dr. Barata, e, depois, no Armazém de Estivas de M. Rocha, na Rua Chile eu procurava caminho na nebulosa, e, nos tropeços, meio ambição, meio confiança, todo esperança, vagueava pelas salas de aula noturna do Dr. João Batista, do Mestre Ivo Filho, do Prof. João Tibúrcio depois, bem mais tarde, nas bancas de exame do Ateneu.ouvia falar das vitórias dos que estudavam, dos anéis vistosos de quem se formava, da importância social, da elegância no vestir daqueles que vinham das Faculdades. Era, também, o tempo em que outros estímulos me excitavam: pessoas humildes, puras, boas, habituais das “vendas” dos meus irmãos João e Pedro Lopes, onde eu vivia e sonhava, contavam com exagero os milagres da inteligência de Rui Barbosa, recitavam Fagundes Varela, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Castro Alves.
    E, para maior motivação, via o jovem Bacharel kerginaldo Cavalcanti, inteligente, bem trajado, de passos largos e resolutos, espargindo vitórias, fazendo discursos floridos de estrelas...
    Não ouvia mais falar em José Tavares. Estava longe, cursando a Faculdade de medicina do Rio de Janeiro.Reapareceu em meados de 1927, agora médico. Médico sem aquela velha austeridade. Era magro, de algum, bigode, calças largas, folgazão, comunicativo e humano. Chegou de bisturi na mão sabendo falar melhor o Francês e, já agora, também o Alemão e o Espanhol. Em Natal, não se fazia ainda cirurgia, como especialidade exclusiva. Somente o saudoso Januário Cicco, sempre capaz, hábil e culto, operava excepcionalmente os casos de urgência e os acessíveis à sua técnica.
    José Tavares e Luís Antônio, formados juntos, amigos inseparáveis, o cirurgião moderno e o clínico geral seguro da medicina do tempo. Duas inteligências agudas na cidade provinciana e bucólica. Cidade de pouco ruído, de pouca gente, de ruas arenosas, de pregões de tabuleiro na cabeça.mas, nela também existiam as adormecidas canções e alma que Goethe via em todas as coisas. De pouca eletricidade, mas de céus iluminados e escampos, podia-se escutar o silêncio e ouvir estrelas, na rimas dos poetas e na plangência das doces serenatas. Tudo na cidade era pequeno, ou era pouco. De médicos, além de Januário Cicco e Varela Santiago, como figuras centrais, havia Otávio Varela, Ernesto Fonseca e, mais tarde, Aderbal de Figueiredo, todos do melhor conceito e respeitabilidade.
    José Tavares e Luís Antônio chegaram plenos de novas energia. Fizeram uma revolução. Revolução na Medicina. Revolução no antigo hospital Juvino Barreto. Solteiros, fizeram também revolução no belo sexo. Alegres e traquinas eram os donos de tudo e de todas... Quem sabe se, por aí, ainda não há restos de ilusões que pedaços de alma recordam com ternura? Dois grandes profissionais vivendo a técnica e o progresso da Medicina contemporânea, sempre com grandeza d’alma, sempre sarcedotais. Em 1933, quando chegava do Rio de janeiro, também formado em Medicina, é que vim conhecer José Tavares, é que retomei a moeda guardada. Senti que devia tratá-lo de doutor. Era um grande nome e eu mais jovem. Mas, a sua simplicidade, a sua jovialidade e o coleguismo franco e largo eram tais que a intimidade veio depressa e espontânea. Passei a chamá-lo de Tavares. Hoje, chamo-o de velho Tavares, modo que uso para dizer querido e velho amigo. Amigo de todas as horas. Sempre solícito e leal desprendido e bom. Na minha condição de aprendiz de cirurgia, nunca me faltou a sua palavra de encorajamento, nunca me faltaram os seus ensinamentos, nunca me faltou sua orientação sensata e segura na conduta operatória. Eu dizia que ele era o meu Lejars, pelo estímulo que sabia dar, por sua presença constante e incansável em apoio das intranquilas sessões cirúrgicas, como fazia esse incomparável autor de A Cirurgia de Urgência.

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