Somo voz
Ontem
à noite fui a uma exposição de arte contemporânea. Confesso, porém, que não
queria ir. Mas como prometera esse passeio à minha esposa, alternativa não tive
senão a de reunir as forças que me sobravam e partir para o desconhecido,
demonstrando bom ânimo o mais que pudesse.
Passado o sufoco por uma
vaga no estacionamento – é incrível como centenas de outras esposas tiveram a
mesma ideia –, e um outro estorvo logo se avizinhou, pois me esquecera de
antecipar a compra das entradas pela Internet. E mais quarenta minutos se
passaram até que conseguíssemos entrar.
Foi no próprio rés do chão
que meus olhos foram atraídos por uma peça no mínimo exótica. Era um bidê –
sim, um bidê! – de porcelana branca desbotada decorado com flores plásticas multicoloridas.
Ora, como tudo era vendável, fui ao preço... e, pasmem, milhares de reais
deveriam ser desembolsados por quem quisesse contemplá-la a sós no aconchego do
lar.
Só que neste mesmo instante,
distingui, nitidamente, uma voz há muito familiar. Era Mário Vargas Llosa, que
tecia mais de uma consideração.
Entusiasmado, varri com os
olhos todo o recinto, na esperança de tornar a abraçar aquele a quem muito
estimo.
Mas não o reencontrei.
Achei tudo isso muito
estranho, sobretudo quando, afinando a minha escuta, notei que suas reflexões
não só continuavam, como também pareciam permear aquele objeto de admiração. E
pensei com meus botões: que maneira singular de se fazer propaganda!
Como me aproximasse daquela
coisa – e isso muito agradava à minha mulher, que cria no meu crescente interesse
–, mais e mais o intrigante mistério se descortinava. Na realidade, não era o
Nobel de literatura, em si, que se fazia ouvir, mas, sim, a sua crítica, aquela
mesma que dirigira à obra de Damian Hirst, um tubarão conservado em formol, e que
proclamara em A civilização do espetáculo,
livro que trata da degeneração das
formas artísticas ante o aparecimento de uma sociedade voltada para o
entretenimento puro e simples.
Era fato, aquilo que muitos
aplaudiriam como uma obra-prima, e que, por isso mesmo, seria vendida a preço
de diamantes, desnudava-se no que realmente era e que nunca deixara de ser: uma
peça sanitária adornada com flores de mentira.
Mas o pior é que não consegui
me conter e acabei revelando ao meu eterno amor o que me ia na alma... E foi a
duras penas que consegui contornar esse pequenino deslize, o que evitou que o “climão”
que se formara entre nós permanecesse.
Passado esse contratempo – e
Deus sabe o quanto me contorci a cada novo pavimento –, e
percebi que um aperto me ficara no peito. Afinal, esse fenômeno seria irreversível?
Ou, dizendo de outra forma, até quando o declínio da cultura satisfará o modo
de ser contemporâneo?
E como da arte prefiro a literatura,
somo voz ao filho mais dileto de Arequipa, deixando a todos apenas mais duas
perguntas: Por quanto tempo a decadência dominará as prateleiras das grandes livrarias
ou fará abarrotar as salas dos cinemas? Será que nossos adolescentes
aprenderiam mais com ela, ou será que se seus pais os incentivassem a ler, por
exemplo, Vitor Hugo, Fernando Pessoa, Machado de Assis e Umberto Eco, entre
outros, eles cresceriam mais bem preparados? Que o digam a criatividade nas
redações dos concursos públicos, e as notas que lhes são consequentes!
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