NO MEIO DO JARDIM
Públio José – jornalista
De acordo com a origem da humanidade narrada na Bíblia, segundo o livro
de Gênesis (Gn. 2.15-17), Deus colocou o homem no jardim do Éden para
dele tomar conta e usufruir das benesses daí advindas. Está lá escrito:
“E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim
comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não
comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. No
capítulo 3, versículo 3, também de Gênesis, a localização geográfica da
árvore (um item norteador deste artigo), fica bem explícita, conforme
diz o texto: “Mas, do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse
Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais”.
Portanto, a localização da árvore no meio do jardim se constituiria um
problema contínuo para o homem, haja vista a proximidade física dela
para com ele, em contraposição à proibição.
Pelo texto bíblico, manifestando o desejo de Deus, ali tudo era
harmonioso, inofensivo, e de livre acesso ao homem. O problema – aliás, o
único problema – estava no meio do ambiente. Ao mesmo tempo em que
representava a vitória, a conquista definitiva de um destino pleno de
paz e prosperidade, o jardim (com a árvore proibida no seu contexto)
ensejava também o enfrentamento permanente do homem com a tentação, com a
curiosidade, com o desejo inato humano de desvendar o desconhecido,
mesmo quando este desejo é operado no terreno da desobediência. Uma
realidade, como se vê, a exigir-lhe um alto grau de renúncia, de
obediência, de domínio próprio – ao que tudo indica elementos, àquela
altura, ainda não amadurecidos no homem. O desfecho dessa história é por
demais conhecido, embora, ainda hoje, cheio de distorções, lendas,
sofismas e falsas interpretações.
O que o texto bíblico assegura é que o fruto da árvore, ao ser
consumido, abriria ao homem o conhecimento do bem e do mal. O que,
lamentavelmente, terminou acontecendo. Nos dias atuais, também temos
nosso jardim, representado por tudo aquilo que recebemos de Deus para
cuidar – e usufruir. O casamento, a família, a saúde, os sonhos, o
conhecimento, a prosperidade nos negócios, os amigos... Conquistas,
enfim, que se concretizam em nossas vidas diariamente sem nem ao menos
percebermos e que, na maioria das vezes, pouco valorizamos. Entretanto,
no meio de tudo, há sempre a necessidade da prática da renúncia, do
exercício de contenção de nossos desejos mais caros (muitos dos quais
inconfessáveis), como se, à semelhança do Éden, bem no meio das nossas
pretensões, tivéssemos também a nossa árvore proibida sinalizando até
onde podemos ir – materializando nossos próprios limites.
Desobedecer à orientação de Deus, abrir a cortina do desconhecido,
vasculhar espaços antes inacessíveis, constituem atitudes que trouxeram
conseqüências extraordinárias na vida do homem. Primeiramente, a
responsabilidade de arcar com sua própria sobrevivência. Em segundo
lugar, a obrigatoriedade de exercer o livre arbítrio com o conhecimento
nítido da existência do bem e do mal, e a consciência de que, na
consecução de qualquer iniciativa, estas duas realidades se farão sempre
presentes – latentes, acessíveis, praticáveis. O que Deus permitiu ao
homem, na essência do episódio, foi a capacidade de conviver no jardim
tendo, no seu interior, condições de resistir e refrear a própria
sofreguidão quando o que pretende alcançar transpõe o limite do ético,
do moral, do legítimo, do recomendável. Resumo: o homem, o jardim, a
árvore, o fruto do bem e do mal. Você é livre. Qual a sua escolha?
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