Lanhuras
Tomou oito cápsulas e se deitou apenas de meias. Queria ser encontrado morto e nu, perigosa lua, indigente. Não chega a ser uma super-dosagem, disse a psiquiatra, então pensou: obrigado doutora, da próxima tomo três caixas inteiras.
Por pouco não pulou da ponte Newton Navarro. Mas tanta gente já o fez que não queria ser só mais um. Mais um que pulou da nova ponte, a Newton Navarro, ponte nova para a morte.
Veneno de rato? Nunca soube usar direito. Todas as vezes em que tentou ingerir para fins libertários, uma coisa sem estômago invadia seu corpo, virava-lhe pelo avesso, luzes brancas do hospital, tão brancas.
Nem tinha coragem de ver seu próprio sangue; discutiu todo tipo de filosofia de sanitário com o facão de cortar carne de sua casa. Restava o sangue da carne, de molho na água, libido barrenta arrancada junto ao sal.
O mesmo valeu para as tentativas de enforcamento. Primeiro problema: morava em casa forrada. Segundo: seus cento e quarenta e nove quilos conseguiriam destruir, no máximo, o telhado e iam já deixar a casa pronta pro velório sem teto das tradições moçambicanas.
Ia à Igreja aos domingos pra tentar morrer de tédio.
Aos sábados, recolhia-se no barzinho da esquina pra tentar morrer de vodka.
Tentou morrer cruzando estradas, atravessando faixas de pedestres mal pintadas, fios de alta tensão, tensão sob a pele enrijecida de quem há muito já morrera.
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