Sem apoio, escritores, poetas e cordelistas desconhecidos tentam viver da venda do próprio talento
Alex Costa // alexcosta.rn@dabr.com.br
Especial para O Poti
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Especial para O Poti
"Não resisto. Tomo o leite que todos tomam. Faminto... faminto mamo no seio deste meio hipocritamente materno. Num abraço terno, me debato indefeso, mas estou preso". Versos ásperos e quase audíveis do poeta Zenildo César, de apenas 20 anos, retratam a história do jovem escriba que vive solitário em um pequeno quarto numa rua do centro da cidade de Natal e que sobrevive através do preço das suas poesias. Simples e introvertido, o jovem poeta relatou para a equipe de reportagem de O Poti/Diário de Natal toda a sua história e como trilhou os horizontes da sua vida durante os 20 anos de sua existência.
Aos 20 anos, Zenildo César sai às ruas à noite para, de bar em bar, oferecer seus livros de poesias. Eles são seu 'ganha-pão' diário Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press |
Em meio às muitas dificuldades, o jovem foi criado no bairro de Petrópolis, estudou sem reprovar na escola e sempre se destacou na escrita. "Acho que nasci com uma veia por onde jorra poesia. Tudo o que eu penso gera poemas. Respirar é uma poesia", disse. Aos 15 anos, na flor da adolescência, o jovem Zenildo precisou se afastar da casa que o acolheu em Petrópolis. "Eu queria jogar bola na praia e na época eu estava participando de um grupo de xadrez. Acabava que eu chegava tarde em casa, para a insatisfação da minha mãe Maria", contou, relatando a falta de liberdade. E foi por este motivo que o jovem retornou para o lar biológico. Estranho, complexo, diferente. O ambiente era totalmente diferente do que ele estava habituado.
Zenildo disse que a relação em casa também foi difícil. A tristeza invadiu de tal maneira o coração do adolescente que ele passou por depressão e internamento; uma mágoa cortante. "A saída da minha casa em Petrópolis me abalou muitíssimo. Mas hoje em dia estou melhor. Minha relação com dona Maria voltou a ser a mesma de sempre; afinal, ela sempre foi minha mãe", disse, emocionado. Zenildo afirmou também que a poesia foi o grande remédio para a cura da sua tristeza. Ao longo dos quatro anos após o retorno ao lar de sua mãe biológica, o jovem poeta viveu num clima de tensão. Seus irmãos mais novos envolvidos com atividades ilícitas mostravam que ele poderia ter tido o mesmo destino, não fosse sua saída do bairro Pajuçara.
Desde pequeno que o estímulo à poesia foi presente. "Não sei se foi por sublimação ou osmose. Sempre fui muito sozinho e falava comigo mesmo, fazia repentes, lia bastante. Mas a escrita dessas ideias poéticas começou mesmo aos 14 anos", contou. Sua maior influência foi Castro Alves, o poeta do escravos. Zenildo César não tem uma temática certa. Ora romântico, ora saudosista, a poseia vai mudando ao longo da sua vida. "Parece algo vago, mas acontece que tem muita coisa dentro de mim: visões, sonhos, amores. Juntando tudo isso com o lado social, com o vazio das pessoas e o mundo estranho...". O jovem diz que sua passagem pela Sociedade dos Poetas Vivos e Afins foi o grande patamar para a aquisição de novas experiências na área artística. Recitais e troca de experiências conferiram ainda mais personalidade aos traços da escrita do autor.
"Lá, na Sociedade dos Poetas, é muito proveitoso. Os trabalhos que fazemos, projetos escolares, recitais nas ruas e nos vagões de trens sempre nos ensinam algo novo. Recitar é tudo para mim, pois é o reviver de emoções e fazer sentir emoções. É visível nas pessoas a cada reação, cada gesto, cada olhar", relatou. Zenildo contou algumas experiências que teve ao recitar poesias nas ruas.
Uma das poesias recitadas foi O mundo pisa em si, do livreto Milhões de uns: "O mundo corre sem se importar com quem sofre. Quem cai é pisoteado e para trás deixado. Homens, por homens pisados". A pequena estrofe mexeu com um senhor que estavano trem, que afirmou: "Ninguém pisa em mim, não!" O jovem Zenildo, sem titubear, questionou: "Então, você pisa?". "Era possível ver o choque causado pelo poder da poesia", retratou.
Dificuldades
Para Zenildo, não é fácil vender poesias, pois as pessoas o encaram como um desocupado que só vende aqueles livretos por necessidade, não sabendo os bastidores da sua vida. "Eu faço porque amo e vivo uma vida normal com o que ganho da poesia. Ela é que me alimenta e me faz viver", disse.
A montagem do material produzido é resultado de investimento do próprio artista, que diz ter recebido ajuda de pessoas que se interessavam pela sua arte no princípio. Hoje, o poeta já tem quatro livros publicados: Ai, ai, como é bom amar (2006), Miragens no Oasis (2008), e os dois últimos lançados no ano passado, Aprendiz de inspirações e quedas e Milhões de uns. Este ano, Zenildo ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para o curso de Letras. "A academia me ensinará muitas coisas que quero aprender e colocarem prática", relatou. À noite, Zenildo sai às ruas e bares dos bairros de Petrópolis, Rocas, Ribeira e Tirol vendendo os seus livros.
"Para mim isto é um grande sonho que se torna realidade. Parece ilusão, mas é a verdade acontecendo", finalizou. O batalhador poeta, que nunca teve nada fácil em suas mãos, evolui na experiência da vida, com a responsabilidade de passar mensagens escritas, vencendo a rotina da vida.
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