ALUIZIO ALVES E A CULTURA
Franklin Jorge
Editor de Babélia [Página Única, Mossoró,
2006]
O jornalista Alberto Maranhão
foi o primeiro dos nossos governadores republicamos a considerar a cultura um
elemento indispensável à consecução de seu projeto de entrar para a História e
assenhorear-se, como um grão-senhor - incentivador das artes e da criação de um
personagem que se comprazia na valorização de uma plêiade de talentosos
colaboradores capazes de produzir e justificar plenamente o ambicionado
galardão aceito por toda a posteridade, sem questionamento, de “Mecenas” -- o
príncipe que em Roma financiou e protegeu os artistas e deu-lhes encargos e
desafios --, embora, a rigor, seu governo tenha feito menos do que deu a
entender a todos que fez. Antecipando-se aos marqueteiros da nossa época, sabia
o angicano que “a propaganda é a alma do negócio” e a versão, às vezes, mais
convincente do que o fato; afinal os pósteros acatam sempre o que está escrito
por autores de talento, exceções nesse mundo de mediocridades triunfantes que
davam vida à sua resistência.
A Lei de incentivo à
cultura que leva o seu nome, sancionada em 1900, privilegiou apenas seus
áulicos e clientes, mais especialmente aos seus irmãos, aparentemente dotados
de talento, que passaram a viver a expensas dos cofres públicos, sem produzir
nada de relevante para o enriquecimento do nosso patrimônio cultural global.
Mais de cinquenta anos depois do último
governo de Maranhão, a partir de 1961, quando tomou posse no Governo do Estado,
Aluízio Alves retomou essa ideia, agora focada num espectro mais amplo --
inserir o Rio Grande do Norte na modernidade; – o que incluía a produção
cultural estagnada por anos de marasmo e conformismo. Fonte de onde emana o oficialíssimo
encruado. A realização de obras infraestruturas, como a eletrificação do estado
através da energia de Paulo Afonso, assinala efetivamente a entrada do Rio
Grande do Norte no mundo moderno. Aluízio Alves criava as faculdades de
jornalismo, ciências sociais e sociologia, escolas; livros e, coroando tudo
isso, a criação da Fundação José Augusto, responsável pela implementação duma
política cultural capaz de dar a Natal o status de uma cidade cosmopolita.
A Fundação José Augusto/FJA era dotada de ações da Petrobras, tinha
autonomia financeira até que teve seus papeis vendidos no governo de Lavoisier
Maia. Tornou-se dependente crônica do governo. Desacreditada. Goza de parco
conceito da população. Degradou-se no curso do tempo. Políticos hábeis e
conhecedores da história, Maranhão e Aluízio Alves entendiam que nenhum governo
alcança a imortalidade a não ser através do papel que artistas e escritores de
talento lhes reservam em suas obras. Assim, até hoje, os Césares romanos
chegaram até os nossos dias fazendo-se conhecidos, odiados ou amados, porque
Suetônio lhes traçou o perfil em palavras que ainda hoje lemos com admiração ou
asco. Mais recentemente, Maquiavel concedeu imortalidade ao príncipe florentino
que ele quis obsequiar, pintando-o como paradigma de déspota esclarecido, numa
obra que continua despertando o interesse de todos aqueles que desejam o poder
ou buscam orientação para governar.
Os exemplos, não são muitos
porque são poucos os déspotas esclarecidos capazes de transcender a
circunstância. No exercício de seu mandato, Aluízio transformou-se numa espécie
de imã, atraindo para o circulo do seu governo os autênticos talentos da época,
ao entender que a arte é um meio através do qual a política dialoga com o povo.
Possuído por uma ânsia de cosmopolitismo, inteiramente voltada para a produção
cultural de qualidade, reagiu á plebeização da cidade, processo levado às
últimas consequências pela ação de um prefeito populista e demagógico, uma
espécie de petista avant la lettre copiado à exaustão por alguns prefeitos de
Natal, sendo que o primeiro desses populistas, Djalma Maranhão, instituiu entre
nós a cultura de pé no chão; a reles cultura paradigmática de governos
festeiros, incapazes de distinguir o popular do popularesco. Sentindo-se
perseguido pelo regime militar, empresta seu nome a uma lei de incentivo à
cultura.
A Lei Djalma Maranhão.
Escritor de mérito e jornalista, desde muito novo integrado à elite política e
cultural do país, numa época em que ainda era possível relacionar política e
cultura numa interação polivalente. Aluízio Alves acrescentou vitalidade à
cultura local, foi catalizador e fez dessa ação de que dá testemunho a obra de
artistas que se tornariam mestres e faróis das gerações subsequentes; o seu
ingresso na imortalidade não é retórica.
É a história da propaganda que
começa a organizar-se. Hoje, não mais podemos dissociar lhe o nome do nome dos
criadores, estetas e visionários - exemplo de grandes faróis. Newton Navarro
representou por muito esse paradigma de artista amado, – um Da Vinci das letras
e das formas, forjado por símbolos visuais; maior de todos --; Myriam Coeli,
Paulo de Tarso Fernandes de Melo, Zila Mamed, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Luís
Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros, Woden Madruga, Calazans Marcelo
Fernandes, confraria visionária que se tornaria expoentes de variados credos
estética ou se projetaram no jornalismo, como Woden Madruga. Nomes que,
iluminados pelo talento, transcenderam a sua época, fazendo parte da “era
Aluízio Alves”.
Antecipada pela Era Djalma
Maranhão. Assim como, hoje, Gutemberg Costa, Vicente Serejo, Diva Cunha, Nelson
Patriota, François Silvestre, Deífilio Gurgel, Tácito Costa, Crispiniano Neto,
Hilneth Correia, Severino Vicente, Dácio Galvão, Candinha Bezerra, Humberto
Hermenegildo, Cláudio Galvão e Iapery Araújo são os expoentes da chamada
“cultura oficial” nessa era de mazelas e falta de fé, emprestam o seu brilho à
coroa da governadora Wilma de Faria. [Artigo escrito no curso dos governos
municipal e estadual; prefeita de Natal por três vezes governadora reeleita
apesar do descrédito em ebulição. Etc. Um governo das letras autônomas e
alvissareiras. E o maior de todos, o nome-farol baudelairiano, guia; Newton
Navarro, artista plástico, contistas, dramaturgo, político, cronista da cidade
e da Redinha, o rei de Natal.
Cônscio de que é a cultura que
engrandece e distingue um governo, mostrou-nos Aluízio na prática que
preconceitos estéticos podem causar prejuízos à política. Abriu-se à novidade.
Empenhou-se em proporcionar aos artistas locais acesso e convívio a outras
realidades culturais e a criadores, sem delimitação de fronteiras. Houve interação
de fronteiras. Sua política de intercâmbio cultural alcançou considerável
sucesso.
Herança do governo do prefeito Djalma
Maranhão. Aluízio trouxe de volta a Natal o professor Oswaldo de Souza, notável
compositor e polígrafo, presentemente condenado ao silêncio e à obscuridade,
ex-colega do polígrafo Mário de Andrade. Foi delegando-lhe a tarefa de
empreender o inventário geral do nosso anonimato –; o primeiro rol realizado
até então – dos bens culturais do Rio Grande do Norte, arrolados em relatório
um inventário integral. Atualmente uma raridade biográfica de um governo que
marcou época no Rio Grande do Norte. Representou a inserção do Rio Grande do
Norte no modernismo.
A Era Aluízio Alves etc. Governo que trouxe
perspectivas novas para a terra potiguar, arraigada ao paternalismo dominante;
caudatária de um concurso de governos sob o regime do tenentismo reinante em
resquícios a que se iam difundindo o paternalismo seridoense correndo em suas
veias. Amigo de Cascudo e transitando entre artistas, escritores e jornalistas
– ele próprio dedicado ao jornal, vivendo em redações, dando mérito ao mérito.
Uma geração que se expandiu em vasos comunicantes das artes plásticas e
literárias e jornalísticas. Surgiu Fernando Gurgel, Erasmo Costa Andrade,
Carlos José Marques, Iaponi Soares de Araújo, Arruda Salles, e antecedendo-os,
Daniel Ferro Cardoso, Jeremias Nogueira, Hostílio Dantas, Erasmo Xavier etc..
Seus inimigos e adversários
poderão acusá-lo de inconformismo; nunca poderão acusá-lo de não ter sabido
usar o seu talento e vontade de governante em favor de quem tinha talento,
exercendo, por esse meio uma abrangente e duradoura influência sobre a cultura
do Rio Grande do Norte. Aluízio Alves encarna uma época complexa de
transformações conceituais, correntes sob um governo que mudava a realidade
política do Rio Grande do Norte.
Aluízio Alves trazia-nos o novo e a esperança
em notável resgate de um tempo perdido. Aluízio encarnava a esperança e a
renovação de um povo. Era homem renascido que viera do majestoso Cabugi,
gigante ao pé da qual nasceram Lajes e Angicos, cidades que se irmanam em
referência e poderio, importante entroncamento rodoferroviário.
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