domingo, 2 de março de 2014

ARTIGO DO JORNALISTA FRANKLIN JORGE - NATAL/RN




ALUIZIO ALVES E A CULTURA
 Franklin Jorge
 Editor de Babélia [Página Única, Mossoró, 2006]

                  O jornalista Alberto Maranhão foi o primeiro dos nossos governadores republicamos a considerar a cultura um elemento indispensável à consecução de seu projeto de entrar para a História e assenhorear-se, como um grão-senhor - incentivador das artes e da criação de um personagem que se comprazia na valorização de uma plêiade de talentosos colaboradores capazes de produzir e justificar plenamente o ambicionado galardão aceito por toda a posteridade, sem questionamento, de “Mecenas” -- o príncipe que em Roma financiou e protegeu os artistas e deu-lhes encargos e desafios --, embora, a rigor, seu governo tenha feito menos do que deu a entender a todos que fez. Antecipando-se aos marqueteiros da nossa época, sabia o angicano que “a propaganda é a alma do negócio” e a versão, às vezes, mais convincente do que o fato; afinal os pósteros acatam sempre o que está escrito por autores de talento, exceções nesse mundo de mediocridades triunfantes que davam vida à sua resistência.  
                    A Lei de incentivo à cultura que leva o seu nome, sancionada em 1900, privilegiou apenas seus áulicos e clientes, mais especialmente aos seus irmãos, aparentemente dotados de talento, que passaram a viver a expensas dos cofres públicos, sem produzir nada de relevante para o enriquecimento do nosso patrimônio cultural global.
                  Mais de cinquenta anos depois do último governo de Maranhão, a partir de 1961, quando tomou posse no Governo do Estado, Aluízio Alves retomou essa ideia, agora focada num espectro mais amplo -- inserir o Rio Grande do Norte na modernidade; – o que incluía a produção cultural estagnada por anos de marasmo e conformismo. Fonte de onde emana o oficialíssimo encruado. A realização de obras infraestruturas, como a eletrificação do estado através da energia de Paulo Afonso, assinala efetivamente a entrada do Rio Grande do Norte no mundo moderno. Aluízio Alves criava as faculdades de jornalismo, ciências sociais e sociologia, escolas; livros e, coroando tudo isso, a criação da Fundação José Augusto, responsável pela implementação duma política cultural capaz de dar a Natal o status de uma cidade cosmopolita.
               A Fundação José Augusto/FJA  era dotada de ações da Petrobras, tinha autonomia financeira até que teve seus papeis vendidos no governo de Lavoisier Maia. Tornou-se dependente crônica do governo. Desacreditada. Goza de parco conceito da população. Degradou-se no curso do tempo. Políticos hábeis e conhecedores da história, Maranhão e Aluízio Alves entendiam que nenhum governo alcança a imortalidade a não ser através do papel que artistas e escritores de talento lhes reservam em suas obras. Assim, até hoje, os Césares romanos chegaram até os nossos dias fazendo-se conhecidos, odiados ou amados, porque Suetônio lhes traçou o perfil em palavras que ainda hoje lemos com admiração ou asco. Mais recentemente, Maquiavel concedeu imortalidade ao príncipe florentino que ele quis obsequiar, pintando-o como paradigma de déspota esclarecido, numa obra que continua despertando o interesse de todos aqueles que desejam o poder ou buscam orientação para governar.
                  Os exemplos, não são muitos porque são poucos os déspotas esclarecidos capazes de transcender a circunstância. No exercício de seu mandato, Aluízio transformou-se numa espécie de imã, atraindo para o circulo do seu governo os autênticos talentos da época, ao entender que a arte é um meio através do qual a política dialoga com o povo. Possuído por uma ânsia de cosmopolitismo, inteiramente voltada para a produção cultural de qualidade, reagiu á plebeização da cidade, processo levado às últimas consequências pela ação de um prefeito populista e demagógico, uma espécie de petista avant la lettre copiado à exaustão por alguns prefeitos de Natal, sendo que o primeiro desses populistas, Djalma Maranhão, instituiu entre nós a cultura de pé no chão; a reles cultura paradigmática de governos festeiros, incapazes de distinguir o popular do popularesco. Sentindo-se perseguido pelo regime militar, empresta seu nome a uma lei de incentivo à cultura.
                 A Lei Djalma Maranhão. Escritor de mérito e jornalista, desde muito novo integrado à elite política e cultural do país, numa época em que ainda era possível relacionar política e cultura numa interação polivalente. Aluízio Alves acrescentou vitalidade à cultura local, foi catalizador e fez dessa ação de que dá testemunho a obra de artistas que se tornariam mestres e faróis das gerações subsequentes; o seu ingresso na imortalidade não é retórica.
               É a história da propaganda que começa a organizar-se. Hoje, não mais podemos dissociar lhe o nome do nome dos criadores, estetas e visionários - exemplo de grandes faróis. Newton Navarro representou por muito esse paradigma de artista amado, – um Da Vinci das letras e das formas, forjado por símbolos visuais; maior de todos --; Myriam Coeli, Paulo de Tarso Fernandes de Melo, Zila Mamed, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Luís Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros, Woden Madruga, Calazans Marcelo Fernandes, confraria visionária que se tornaria expoentes de variados credos estética ou se projetaram no jornalismo, como Woden Madruga. Nomes que, iluminados pelo talento, transcenderam a sua época, fazendo parte da “era Aluízio Alves”.  
                Antecipada pela Era Djalma Maranhão. Assim como, hoje, Gutemberg Costa, Vicente Serejo, Diva Cunha, Nelson Patriota, François Silvestre, Deífilio Gurgel, Tácito Costa, Crispiniano Neto, Hilneth Correia, Severino Vicente, Dácio Galvão, Candinha Bezerra, Humberto Hermenegildo, Cláudio Galvão e Iapery Araújo são os expoentes da chamada “cultura oficial” nessa era de mazelas e falta de fé, emprestam o seu brilho à coroa da governadora Wilma de Faria. [Artigo escrito no curso dos governos municipal e estadual; prefeita de Natal por três vezes governadora reeleita apesar do descrédito em ebulição. Etc. Um governo das letras autônomas e alvissareiras. E o maior de todos, o nome-farol baudelairiano, guia; Newton Navarro, artista plástico, contistas, dramaturgo, político, cronista da cidade e da Redinha, o rei de Natal.
                Cônscio de que é a cultura que engrandece e distingue um governo, mostrou-nos Aluízio na prática que preconceitos estéticos podem causar prejuízos à política. Abriu-se à novidade. Empenhou-se em proporcionar aos artistas locais acesso e convívio a outras realidades culturais e a criadores, sem delimitação de fronteiras. Houve interação de fronteiras. Sua política de intercâmbio cultural alcançou considerável sucesso.
                 Herança do governo do prefeito Djalma Maranhão. Aluízio trouxe de volta a Natal o professor Oswaldo de Souza, notável compositor e polígrafo, presentemente condenado ao silêncio e à obscuridade, ex-colega do polígrafo Mário de Andrade. Foi delegando-lhe a tarefa de empreender o inventário geral do nosso anonimato –; o primeiro rol realizado até então – dos bens culturais do Rio Grande do Norte, arrolados em relatório um inventário integral. Atualmente uma raridade biográfica de um governo que marcou época no Rio Grande do Norte. Representou a inserção do Rio Grande do Norte no modernismo.
                  A Era Aluízio Alves etc. Governo que trouxe perspectivas novas para a terra potiguar, arraigada ao paternalismo dominante; caudatária de um concurso de governos sob o regime do tenentismo reinante em resquícios a que se iam difundindo o paternalismo seridoense correndo em suas veias. Amigo de Cascudo e transitando entre artistas, escritores e jornalistas – ele próprio dedicado ao jornal, vivendo em redações, dando mérito ao mérito. Uma geração que se expandiu em vasos comunicantes das artes plásticas e literárias e jornalísticas. Surgiu Fernando Gurgel, Erasmo Costa Andrade, Carlos José Marques, Iaponi Soares de Araújo, Arruda Salles, e antecedendo-os, Daniel Ferro Cardoso, Jeremias Nogueira, Hostílio Dantas, Erasmo Xavier etc..
                 Seus inimigos e adversários poderão acusá-lo de inconformismo; nunca poderão acusá-lo de não ter sabido usar o seu talento e vontade de governante em favor de quem tinha talento, exercendo, por esse meio uma abrangente e duradoura influência sobre a cultura do Rio Grande do Norte. Aluízio Alves encarna uma época complexa de transformações conceituais, correntes sob um governo que mudava a realidade política do Rio Grande do Norte.
                 Aluízio Alves trazia-nos o novo e a esperança em notável resgate de um tempo perdido. Aluízio encarnava a esperança e a renovação de um povo. Era homem renascido que viera do majestoso Cabugi, gigante ao pé da qual nasceram Lajes e Angicos, cidades que se irmanam em referência e poderio, importante entroncamento rodoferroviário.

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