O URUBU
E COLIBRI
Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
OBS: Qualquer semelhança com a realidade política, jurídica e
parlamentar brasileira, não é mera coincidência.
Conta a fábula que o
colibri morria de inveja do urubu. Acostumado a voar em baixas altitudes, via o
urubu ganhar o espaço em longo bater de asas, desafiar grandes distâncias, planar
sereno sobre montes, montanhas, conviver na companhia de brancas nuvens.
“Como é majestoso o vôo do urubu”, pensava, diante da
insignificância do contexto em que vivia. Parado, ficava a imaginar a beleza
dos cenários, a diversidade geográfica, a imensidão dos espaços observados do
alto. Olhava para si e se via pequeno, frágil, impotente pela diminuta
estrutura corporal que carregava. “Como alcançar grandes altitudes,
conhecer novos horizontes, almejar ter uma visão larga do mundo sendo tão pequeno?”,
se indagava. Perguntas, perguntas e mais perguntas. E quase nenhuma resposta
para apascentar a sua angústia interior. De fato, de concreto mesmo, só a
tristeza pela distância que o separava do urubu.
Acalentava um grande desejo de, um dia, conhecer de perto tão fascinante
personagem. “Ah, pensava, quantas histórias bonitas o urubu terá para me
contar, quantas pessoas interessantes ele deverá ter conhecido como fruto de
suas exuberantes expedições aéreas”. Enquanto cuidava da casa, do seu
exasperante dia-a-dia, o colibri remoia uma vontade enorme de travar
conhecimento com o urubu, de vê-lo de perto diante dos olhos. Mexe daqui,
indaga dali, tenta dacolá, terminou conseguindo marcar uma audiência com o
importante viajor dos altos ares. O urubu recebeu-o entediado. “O que
quererá comigo ave tão insignificante? Porventura pensa que posso ficar aqui
perdendo tempo com as bobagens que, com certeza, me trará? Esse povo miúdo
abusa da nossa educação, da nossa boa vontade. Afinal, receber colibri para
tratar de quê? Colibri, bahhhh!”
Indiferente ao clima abusado que iria encontrar, o colibri antegozava a grande
conquista. E se preparava para o dia do grande encontro. Que durou poucos
minutos. Após manifestar a sua admiração por tão grande deferência, o colibri
não deu nem tempo ao urubu de raciocinar. Sapecou-lhe um convite para almoçar
em sua casa. Sem ter outra resposta em mente, o urubu aceitou. Agendaram o
futuro compromisso para dali a quinze dias. O urubu bateu suas grandes asas e
se foi. O colibri ficou embasbacado. Deu-se umas beliscadas para ter certeza de
que não estivera sonhando e voltou para casa – saltitante. Passada a
euforia inicial, uma coisa lhe chamou a atenção: o mau cheiro que exalava do
urubu. “Seria dele próprio ou fruto de uma coincidência? Ah, certamente
algum animal morto por perto fizera aquela descortesia”. Pediria
desculpas ao visitante no dia do almoço – conformou-se.
O preparo da refeição lhe deixou afogueado. Pesquisou as mais finas iguarias,
os repastos mais saborosos. Com rigor planejou sua agenda para que nada
atrapalhasse tão esperado momento. Mas malditas das malditas desgraças!!!! Ao
acordar naquele dia encontrou o corpo de um burro morto, putrefato, em frente à
sua casa. O fedor era insuportável, nauseabundo. Tentou de todas as maneiras
resolver a questão. Chamou o serviço municipal de limpeza, ensaiou um mutirão
com outros habitantes do bairro. Não houve jeito. A hora se aproximava e o
cadáver do burro permanecia lá, inamovível, impregnando a região com um odor
terrível. O urubu chegou e – interessante – nem reclamou do forte
mau cheiro, enquanto o colibri se desculpava e se esmerava nos salamaleques.
Para piorar a situação, nada agradava ao ilustre convidado. O urubu rejeitava
as iguarias e os manjares postos à sua frente.
Aflito, o colibri pediu licença ao urubu e internou-se na cozinha para tentar
um novo prato. Perdeu tempo na nova empreitada. Quando deu por si imperava na
casa um grande silêncio. “Onde estará o visitante?”, afligiu-se
mais ainda. Procura, procura e nada. “Vergonha, vexame! Com certeza ele
foi embora”. O colibri não se perdoava a afronta feita ao urubu – e
lastimava a amizade perdida. Desalentado, deu uma chegadinha no terraço da
casa. Qual não foi sua surpresa ao flagrar o urubu inclinado sobre o burro
morto, refestelando-se com a carniça fedorenta, engolindo, com sofreguidão,
nacos e mais nacos do corpo do finado animal. Estupefato – e impotente
– o colibri a tudo assistia. Terminada a refeição o urubu bateu suas
longas asas e alçou vôo. Do colibri nem se despediu. Como herança deixou apenas
uma forte fedentina no ar. E foi curtir a podre refeição na imensidão azul
celeste.
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