PANDORA
Diante
dos meus olhos outonais o crepúsculo do ano, os dias descem no horizonte do
passado, enquanto no lado oposto, pelas venezianas do espaço cortinas filtram
os primeiros raios da esperança de um tempo que não sei.
Estou
submerso numa colcha de dilemas, como se estivesse alcançado à encruzilhada, no
braço à esquerda, as dores e as lágrimas, à direita alegria, festas, risos. E
no coração a pergunta:O que fazer? Comemorar?
Estou
batendo na face desses dias que se foram. Os deuses mandaram-me de presente uma
Caixa de Pandora. Que infortúnio o meu ao abri-la, permitindo que sobre minha
cabeça encanecida adejassem suas maldades, todas elas, na verdade,
predeterminadas. Primeiro a doença, que me surpreendeu como o ladrão do
Evangelho, obrigando-me ao tratamento radioterapêutico, com 53 sessões diárias,
que me cansaram o corpo e esgotaram o
caixa ainda não refeito pelo vazamento do acontecido com Zuleide, minha esposa,
vítima do mesmo mal.
As
desgraças materiais, ao longo do tempo e sacrifícios, você consegue superar. As
espirituais são invencíveis, pois chegam e ficam maltratando e inexiste o
momento para acabar. Pela metade do ano o Pai do Tempo chamou à sua presença o
meu amigo Ruy Gallart de Menezes, uma personalidade rara, daquelas que
lembramos todos os dias, reclamando seu silêncio. Não bastasse isso, desde
novembro do ano anterior, o outro amigo, Pedro Simões fora confinado à UTI de
um hospital para recuperar-se de males que lhe chegavam como se fossem ondas
das marés. Pedro está afastado do meu convívio e este é o segundo Natal que
celebra estirado numa cama fawler. Procuro, dias sim, dias não, falar com ele
ou saber da esposa, jailza, ou da irmã, Joventina, notícias suas.A ausência da
sua presença e da sua palavra é uma punição que me entristece e, também, a outros merecedores da sua
estima.
Finalmente,
a luz apagada dos olhos de João Paulo de Souza, o “seu” Juca, fundador do
Armazém Pará. Tive o privilégio de escrever uma síntese biográfica dele,
publicada no seu centenário pela família no livro A Sinfonia do Outono. Guardo
dele a imagem aureolada de paz. A canção Praieira era, entre todas, a da sua
preferência. Gostava de poesia e conheceu bem Adelle de Oliveira, minha
tia-avó. No campo poético eu sempre o provocava com a poesia A Caridade e a
Justiça, de Guerra Junqueiro, que recitava, parcialmente, com entusiasmo.
Resta-me
cremar a caixa e deixar que ventos levem as cinzas à terra do ontem. Vou
esperar a vinda da terra do amanhã lendo poesia. É a melhor maneira de
homenagear meus ausentes. É ter um comportamento semelhante ao de Joaquim
Cardozo no poema Recordações de Tramataia:
Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do Alto da Misericórdia
de
Olinda ao nascer do verão
e a
saudade de Josefa,
a
pequena namorada do meu amigo de Tramataia.
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