Os diferentes âmbitos da avaliação
A avaliação é um componente particularmente sensível do edifício curricular e exige uma competência especial dos profissionais da educação.
É
fácil e cativante falar de educação infantil. Mas é muito difícil falar
de avaliação na educação infantil. Continuam prevalecendo velhos
estereótipos e preconceitos que relacionam avaliação com exame, com
mensuração por meio de provas, com qualificações, com angústias, com
êxitos e fracassos. Se a ideia é essa, é justo que não se concorde em
avaliar crianças pequenas. Eu também me oporia radicalmente a isso.
Porém,
a avaliação, desde que bem-feita, é o principal mecanismo de que os
professores dispõem para levar a bom termo seu trabalho. É verdade que,
em muitos casos, as práticas de avaliação revelaram-se negativas, ou
porque foram mal realizadas, ou porque faltou uma orientação mais clara.
No entanto, isso só nos obriga a reconhecer que a avaliação é um
componente particularmente sensível do edifício curricular e exige uma
competência especial dos profissionais da educação. É por essa razão
que, do meu ponto de vista, é tão fundamental ressaltar a importância da
avaliação quanto explicitar as condições em que deve ser realizada e as
funções que deve cumprir, tendo em vista a melhoria do processo
educativo em seu conjunto. É preciso avaliar, mas é preciso fazê-lo bem.
Um
velho princípio didático diz que "a comparação me leva à
autocomplacência, a avaliação me leva à autocrítica". Talvez por isso
seja tão difícil para nós aderir à cultura da avaliação, porque nos
força a rever nossas idéias e nossas práticas e a tomar consciência dos
pontos fortes e fracos de nossa atuação como professores. Trabalhar com
crianças pequenas, criar situações ricas, envolver-se de corpo e alma na
ação, ir sempre em frente com atividades novas é, sem dúvida, um
prazer. Tomar notas, parar para pensar, rever processos, analisar
produtos, elaborar informes, etc., ao contrário, é um transtorno. E
fazer isso por obrigação, sem ter a sensação de que servirá para
melhorar nosso trabalho, pode tornar-se um pesadelo.
Devo
insistir, uma vez mais, sobre a importância da avaliação para qualquer
etapa educativa, incluindo, naturalmente, a educação infantil. Gostaria
de ressaltar três aspectos:
1) a importância de incorporar a cultura da avaliação ao nosso trabalho,
2) os tipos de avaliação aplicáveis à escola infantil e
3) os âmbitos a serem avaliados.
Em função do espaço deste artigo, vou tratá-los de forma bastante concisa.
1. O que é a cultura da avaliação?
Trata-se
de algo muito simples. É acostumar-se a documentar o que vai sendo
feito: guardar diálogos das crianças, guardar nossos planejamentos de
aula, gravar algumas das atividades, guardar amostras dos trabalhos das
crianças, fazer algumas provas periódicas (formais ou informais) que
sirvam para checar o processo, etc. Às vezes, é muito importante contar
com algum tipo de registro (que nós mesmos fizemos, ou que extraímos da
vasta gama existente na literatura). Essa documentação é analisada
periodicamente e serve de base para as propostas de melhoria para o
período seguinte.
2. Que tipos de avaliação podemos utilizar na educação infantil e como?
Creio que poderíamos falar de três tipos básicos de avaliação em educação infantil, cada um com suas virtudes e suas limitações.
A avaliação como impressão que se elabora a partir do conhecimento cotidiano
Passamos
muitas horas por dia com as crianças, e isso nos permite formar uma
opinião suficientemente clara sobre elas e sobre suas características.
Acabamos conhecendo-as, mesmo que esse conhecimento geralmente seja
bastante genérico, superficial e assistemático. Na minha opinião, esse
tipo de conhecimento não pode ser visto como uma "avaliação" em sentido
estrito. Não apenas porque "conhecer" não é o mesmo que "avaliar", mas
também porque não estamos falando sequer de um "conhecer" que seja
preciso e rico do ponto de vista educativo. No fundo, todos temos esse
tipo de conhecimento acerca das pessoas com as quais mantemos contato.
Sabemos sobre elas, sobre como agem, sobre como costumam pensar e
sentir. De certo modo, podemos até prever suas condutas. Trata-se de
algo importante, porém não suficiente.
A avaliação como conhecimento profissional e documentado
Trata-se
de um tipo de avaliação que requer conhecimentos específicos para que a
realizemos, respeitando as exigências técnicas e pedagógicas próprias a
ela. É uma competência profissional que os professores só conseguirão
se tiverem uma formação específica para isso. É necessário obter um
conhecimento sistemático, que abarque as diversas dimensões do
desenvolvimento, que se fundamente na integração de informações de
natureza diversa, obtidas mediante diversas estratégias metodológicas
(desde observações naturais a registros especialmente preparados, desde
episódios espontâneos a produtos preparados), que seja rico como
informação (não basta uma nota ou um juízo genérico), que seja fácil de
realizar e de interpretar (para poder compartilhá-lo com os pais e,
inclusive, com as próprias crianças). É por isso que se necessita de
formação.
A avaliação como processo especializado
A
visão técnica da avaliação é tarefa para especialistas na área abordada
e com objetivos que geralmente transcendem a atuação educativa de um
professor, pois costuma exigir conhecimentos especializados e uso de
técnicas sofisticadas. Estes são muito úteis para ter uma visão matizada
de certas dimensões do desenvolvimento infantil.
Caberia
englobar neste item a aplicação de testes, provas especializadas em
alguns âmbitos do desenvolvimento, estudo do desenvolvimento e/ou da
conduta das crianças mediante algum procedimento científico, ações
voltadas a rever situações específicas (crescimento, visão, dentição,
inteligência, personalidade, condutas, destrezas, etc.). Elas são
realizadas por especialistas nessas áreas, pois costumam exigir
conhecimentos especializados e emprego de técnicas sofisticadas.
Embora
nossa avaliação deva ter como base sobretudo o segundo tipo, os três
são complementares e de grande proveito para o bom funcionamento de uma
escola infantil.
3. Os âmbitos a serem avaliados na escola infantil
A
ação educativa vai sendo produzida como resultado da interação de
diversas variáveis que atuam de modo contingente, sendo que algumas
modificam as possibilidades de impacto das outras. Por isso, interessa
"iluminar" todo o processo, conseguir o máximo de informação sobre as
diversas dimensões que intervêm na sala de aula de maneira tal que
estejamos em boas condições de "entender" o que ocorre, por que ocorre e
o que podemos fazer, em vista dos dados disponíveis, para melhorar essa
situação. Por esse motivo, toda avaliação deve levar em conta, no
mínimo, os seguintes aspectos:
A avaliação dos meninos e das meninas
O
objetivo fundamental de nosso trabalho educativo é que os meninos e as
meninas sob nossa responsabilidade cheguem aos poucos a um
desenvolvimento equilibrado e constante. No final, nosso trabalho terá
sido eficaz se eles se sentirem bem conosco e tiverem desenvolvido todo
aquele conjunto de capacidades e competências que fazem parte da
educação infantil. Os alunos de nossa sala serão, ao longo do período
escolar que passarmos com eles, a expressão pública e visível da
qualidade e da adequação do trabalho educativo que estamos
desenvolvendo.
Interessa-nos,
portanto, saber qual é a situação de que partimos e ir verificando se o
desenvolvimento de nossos alunos está ocorrendo segundo a dinâmica
esperada para a sua idade e o tipo de enfoque educativo que planejamos.
Por isso, a estratégia predominante de avaliação deve ser a avaliação
individualizada. O que nos interessa, basicamente, é saber se as
crianças estão evoluindo em um bom ritmo, se essa evolução ocorre de
maneira suficientemente equilibrada (se avança em todas as dimensões) e
se elas estão superando as dificuldades que inevitavelmente vão
apresentando-se.
A avaliação do programa que se está seguindo
Este
é o segundo grande âmbito de aplicação da avaliação: a avaliação do
funcionamento geral de nossas salas de aula, tanto de um ponto de vista
global (o que poderíamos chamar de dinâmica geral da sala de aula: as
rotinas diárias, o plano geral de atividades, etc.) como de perspectivas
mais setoriais (o funcionamento dos diversos componentes do processo
educativo: espaços, atividades específicas, materiais, modos de relação,
etc.). Em geral, os diversos modelos educativos para crianças pequenas
têm sua própria escala para avaliar o desenvolvimento do programa.
É
importante, sobretudo, porque nos ajuda a centrar nossa atenção nos
pontos que são realmente importantes em nosso projeto, sem nos perdermos
em detalhes de pouca relevância ou de rentabilidade duvidosa em face da
melhoria efetiva do que estamos avaliando.
A avaliação de nós mesmos como professores(as)
Juntamente
com a avaliação dos alunos e do processo, vale a pena considerar a
avaliação dos próprios educadores, que pode assumir a forma de uma
auto-avaliação ou de uma avaliação feita por outras pessoas (colegas,
colaboradores externos, etc.).
Os
aspectos que poderiam ser levados em conta são muito diversos: nossas
relações com as crianças e suas famílias (em conjunto e
individualmente); nossos pontos fortes e fracos no trabalho educativo
(aquilo em que nos saímos melhor e o que exigiria um aprimoramento e
mais formação); a evolução que tivemos nos últimos meses (coisas que
fazíamos antes e que agora não fazemos mais e vice-versa); a dinâmica de
trabalho na escola (individualismo, colaboração, apoio mútuo) e o que
poderíamos fazer para melhorá-la; como nos sentimos pessoalmente, etc.
Trabalhar
como educador da infância é uma tarefa que requer tanto um forte
envolvimento emocional de nossa parte quanto o domínio de um amplo
espectro de competências profissionais. Em ambas as direções, a
avaliação deveria estar presente, para que, também nesse caso, nos
permitisse reforçar nossos pontos fortes e corrigir os pontos fracos de
modo a nos tornarmos, a cada dia, melhores profissionais.
fonte :Revista Pátio
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