Bom dia, professora!
Neste dia abençoado em que homenageamos os professores trago à
publicação o prefácio do livro Álbum de Versos Antigos, de Adelle de
Oliveira, escrito por um dos seus alunos mais brilhantes. Além dele
sentaram-se nas carteiras do externato da mestra e grande poeta,
personalidades como Nilo Pereira e Edgar Barbosa e toda uma geração nos
tempos áureos do Ceará - Mirim.
João Wilson Mendes Melo
Este livro despertou-me, de início, a saudade de sua doce
autora, de quem recebi, na infância dos sete anos, ensinamentos que
ainda posso classificar como os primeiros passos na aprendizagem da
leitura e da escrita.
Aquela escola foi o berço oferecido e
realmente concedido a recém-nascidos para as primeiras letras e que,
sendo transmitidas com amor e a piedade de santa de uma poetisa,
poder-se-iam transformar em letras maiúsculas para alguns homens que me
enlevam na possibilidade de terem sido meus contemporâneos, ou melhor,
por eu ter testemunhado a aprendizagem multiplicadora dos seus talentos e
de suas luzes.
Acontece também que os instrumentos que me
eram fornecidos nos estudos, que levam ao conhecimento e à comunicação,
teriam uma das suas grandes satisfações na leitura futura da obra
literária, daquela que realizava na sala de aula, tão simples e singela,
o seu mais belo poema de intenso carinho à infância, para quem recebeu o
dom divino de informar e de formar para a vida que se iniciava em cada
um dos seus alunos, todos na flor da idade, que era a designação mais
singular e autêntica daquele jardim de infância de uma cidade nova que
não era capital, mas tinha o título talvez maior de Rainha do Vale.
Considero-me hoje um privilegiado por haver recebido os
primeiros e fundamentais conhecimentos com leite e mel, que naquele
Externato Ângelo Varela, daquela Ceará - Mirim dos anos vinte, corriam
como sonhados na antiga Terra Prometida.
Adele de Oliveira,
educadora, foi poetisa. E sua forma de dizer era a que melhor havia no
tempo em que viveu, de 1884 a 1969. Seu verso predileto – o soneto –
usou-o com competência e esmero. Metrificava e rimava como o
Parnasianismo recomendava. Não teve o cinzel de Olavo Bilac, Raimundo
Correia ou Vicente de Carvalho, nem a inspiração acadêmica que o
Romantismo insistiu em viver nela, talvez anacronicamente, e se vestiu à
moda reinante porque era mulher e amava. Amava naquele amor que crescia
na medida em que não se realizava e terminou imenso, multiplicado no
interminável tempo dos que sofrem.
Seu ambiente de vida: a
longa rua em que morava deixava-a no coração da cruz que se formava
quando a mesma rua cruzava a linha férrea da Rua Grande.
Figurativamente, ela conduzira essa cruz por toda a vida, desde o
instante em que o seu grande amor se desfez. Daí em diante somente via
encruzilhadas, caminhos que conduziam a nada e que cruzavam com outro
igual; via somente o que tortura o caminhante: tempestades, noites
escuras sem alvorada.
Seus motivos de versejar renovavam-se
a cada dia, a cada entardecer, a cada anoitecer e recomeçavam pelo
outro dia triste que lhe seguia, outra tarde nostálgica, outra noite.
Assim viveu anos a fio, décadas seguidas, até que na metade da nona
década deixou a vida que a atormentava para receber, certamente, a
compensação prometida pelo sofrimento aceito e vivido sem protesto, mas
apenas com alguns lamentos.
Seus versos bem que poderiam
ter transmitido as belezas de Ceará Mirim, a bela cidade inclinada em
forma de anfiteatro para facilitar a contemplação do vale de umidade
refrescante, de um verde que anuncia um trânsito livre para a paz dos
pêndulos amarelos, farfalhantes ao vento. Uma mágoa no amor, porém,
desviou o foco de suas atenções e de sua inspiração para penumbras,
noites prateadas e, quando muito, para alguma manhã radiosa aos olhos
dos outros.
É difícil dizer se foi bom ou ruim para a
poesia em si, mas sabemos que foi tormento para a poetisa e foi emoção e
beleza tétrica para seus leitores, logo transformados em admiradores
incondicionais. Ela soube tirar o mesmo valor dessas outras paisagens e
fazer dos raios de luz, surpreendentes e fugazes, um prêmio maior para o
bom gosto de dizer e de ouvir. Sua poesia é, pois, um momento que se
perpetua; uma decepção que gerou desenganos, tédio, desesperança,
referida de relance, algumas vezes, como reação da consciência bem
formada ao infortúnio persistente.
Tudo floriu em versos
metrificados, rima clara e sonora, determinando a musicalidade suave da
expressão do sentimento poético.
No seu conjunto há para o
leitor atento uma reflexão. A subordinação às regras da poesia antiga,
digamos assim para dar a conotação do tempo em que ela brotou, levou sua
autora ao uso de termos às vezes não condizentes com sua simplicidade e
com a simplicidade do texto, a ponto de se senti-los forçados e um
pouco estranhos; já a metrificação faz o uso excessivo do hífen e a
maior distinção entre as sílabas normais das palavras e a sílaba do
verso. Tudo isso que tira um pouco da espontaneidade, mas considera-se
uma prova de habilidade ou maestria provada nesse jogo mais complicado
das palavras para revelar bem claro o sentimento que o impulsiona. Nisso
ela também foi mestra de real valor.
Por todos esses
méritos sobejamente reconhecidos, saúdo a poetisa Adelle de Oliveira na
sua póstuma entrada em forma de livro no mundo das letras, como se fazia
antigamente quando ela entrava em classe:
Todos de pé! Bom dia, professora!
Se a tarefa de hoje é o seu livro, nós, os solitários
sobreviventes do antigo Externato, e a multidão dos novos admiradores,
vamos ler os seus versos para aprender mais uma belíssima lição de amor e
ternura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário