ALÉM DA PONTA DO GIZ Parte II
O
incidente com José Ponciano naquela ensolarada manhã de sábado foi o lúgubre
aviso das Parcas, a sentença anunciada. O segundo filho da rendeira Constança é
um daqueles tipos inesquecíveis. Músculos proeminentes espalhados pelo corpo
que misturava a cor do bronze envelhecido ao cinza escuro de sua estirpe
cafuza. A cabeça grande e redonda
guardava lábios grossos, olhos afundados, orelhas de abano, nariz achatado de
aletas distendidas e cabelos encarapinhados. Nas minhas leituras, guardadas as
proporções, pude reencontrá-lo no Quasímodo do Victor Hugo e no Pajeú, de Os
Sertões de Euclides da Cunha. Não obstante era todo infantil ajudando-me a
empinar corujas, ensinando-me a escorregar duna abaixo sentado num talo de
coqueiro que chamavam de “calabote”. Eu gostava dele pela sua atenção e
cuidados comigo.
Antonio
Louro e meu pai assistiam de longe praieiros e pescadores puxando o tremalho
para a praia e Ponciano no meio deles. De repente, como se tivessem recebido
uma ordem, todos suspenderam a tarefa, porque Ponciano dera um grito esquisito
e tombara tremendo como se estivesse levando um choque elétrico de grande
magnitude. O médico fez o diagnóstico de imediato e ligeiro foi para dentro da
cena do acontecimento. Fez com que os companheiros o afastassem da água, mandou
que segurassem seus membros superiores e inferiores e gentilmente colocou sua
camisa sob a cabeça sustentando-a até final da convulsão. Quando parou de
tremer, abriu os olhos espantados, emitindo compassados grunhidos e no rosto
molhado de suor lembrava o florescer do sorriso amarelo dos Karamazov.
Meu
pai fez-lhe severas advertências prometendo que traria de Natal a medicação que
poderia aliviá-lo de quadro semelhante se tomado com regularidade, ao lado de
providências complementares. Acompanhado do irmão, Lourival, Ponciano deixou a
palhoça de Antonio louro cabisbaixo como se levasse nos ombros um oceano de tristezas.
Constança foi à nossa casa
agradecer e saber do médico a realidade .Até
iniciar o tratamento estava proibido de banhos de mar e pescarias. Para um homem acostumado às atividades ligadas ao mar,
aquilo era um duríssima recomendação Depois do jantar ficávamos no alpendre
repassando o dia e eram constantes e muitas as visitas. O médico provocava e gostava de ouvir aquelas conversas sem futuro.
Deitado na rede e o pessoal, ao redor, sentado no cimento ou tamboretes. Paulo
de Janoca.com seu papo furado contou que pelos lados de Santa Rita, durante a
madrugada os moradores estavam ouvindo barulhos estranhos e o próprio Paulo
espalhou que se tratava de uma alma. O certo é que a história ganhou fôlego e
havia até quem afirmasse ter ouvido os tais barulhos seguidos de sibilantes
rajadas de vento. Uma noite Geraldo da Cruz, filho de João da Cruz disse que ia
esperar a alma. Noite alta saiu para Santa Rita escondendo-se entre galhos de
cajueiro e viu um vulto deslocando-se no meio dos coqueiros. Esperou até ouvir
o barulho, uma, duas, três vezes. Deixou a toca e foi direto abordar a
assombração e qual não foi sua surpresa ao deparar-se com José Ponciano a quem
interrogou e recebeu explicações. Estivera tirando cocos pra dar de presente ao
Dr. Tavares por tudo quanto ele fizera com ele até aquele momento. Tinha que
ser daquele modo porque ele não sabia de quem era o terreno e os coqueiros
Descoberto mistério inventado por Paulo de Janoca, Dona Juraci pediu a Ponciano
que suspendesse as entregas para não comprometer seu marido.
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