ELEITOR
“ASSUM PRETO”
Luiz
Gonzaga, na música “Assum Preto”, relata o sofrimento de um pássaro
que fora mutilado dos olhos para que passasse a cantar melhor. Seus versos
ainda ecoam pelas mentes e corações nordestinos de todos os portes e
tendências: “Assum preto seu cantar é tão triste quanto o meu, também
roubaram o meu amor, ai, que era a luz, ai, dos óios meus”. O lamento
mostra o sofrimento do personagem ao se ver privado da presença da amada.
Segundo ele, da mesma forma que a vida impusera o furo aos olhos do pássaro
“para ele, assim, cantar melhor”, também lhe colocara numa situação
de dor, com a perda da mulher amada. Ambos fazem do sofrimento o combustível
necessário para aprimorar a inspiração, enquanto também fazem do novo canto
motivo para suportar as agruras da vida. Nenhuma penalidade, entretanto, surge
para o terceiro personagem da história, o causador de tudo.
Este se esgueira pelo anonimato sem pagar pelo seu crime. Afinal, a letra deixa
bem claro que alguém, na música não identificado, havia furado os olhos do
pássaro. O canto também ressalta o prejuízo sentimental que alguém sofrera
porque outro roubara o seu amor, “que era a luz, ai, dos óios
meus”. Como se vê, esse terceiro personagem causou sofrimento e dor e, no
entanto, nenhuma penalidade lhe aconteceu. Essa pérola do cancioneiro
nordestino também serve de metáfora para as práticas atuais na vida política
brasileira. Políticos inescrupulosos “furam” os olhos do eleitor,
para que este não consiga enxergar a realidade dos seus atos, enquanto outros
“roubam” os sonhos daqueles que neles depositaram sua confiança. O
resultado é eleitor lamentando a cegueira na qual vem tateando há muito tempo e
eleitor que teve tirado de si a luz dos seus anseios, de seus desejos perdidos
e destroçados.
Políticos atuais representam
bem esse personagem. À numerosa galera, ou seja, o eleitorado, os olhos foram
furados. Durante longo tempo militantes de certo partido celebraram a pureza
ideológica da agremiação sem se dar conta do enorme abismo que separava
“as conversas pra boi dormir” da verdadeira realidade. Com
raríssimas exceções, ninguém da massa, da famosa militância chegou a enxergar o
mastodôntico estelionato que era praticado à vista de todos. Como descobrir o
jogo se estavam todos cegos? E, como nos versos da música eternizada por Luiz
Gonzaga, o pássaro com os olhos cegos canta – e canta muito melhor! O
desempenho da militância era de fazer inveja aos demais partidos. A cegueira
motivava inspiração toda especial. Ir às ruas, comprar camisetas, bottons e
bonés do próprio bolso, além de brandir, com aguerrida devoção, os dogmas do
partido, tudo era feito com cega determinação.
Aos demais eleitores sobrou
também o lamento pela dura realidade. “Também roubaram o meu amor, ai,
que era a luz, ai, dos óios meus”. Quanta gente no Brasil embalou seus
sonhos, seus maiores anseios civis em cima das promessas defendidas por famosos
políticos, não é verdade? Para muitos era como se fosse um novo amor, algo
arrebatador, que lhes traria um novo país. No Brasil esse fenômeno aqueceu
mentes e corações de milhões e milhões de apaixonados, de embevecidos, que
creram em um novo amanhã. A eles, com raríssimas exceções, restou a descoberta
da dura realidade: olhos furados de uns; sonhos roubados de outros. De palpável
apenas o seguir tranqüilo do causador de tamanha decepção. Pois devagarinho,
devagarinho, tal figura vai se esgueirando pelos desvãos da impunidade,
deixando atrás de si o som de um forte lamento. “Assum preto meu penar é
tão triste quanto o seu...”
fonte:por e-mail
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