TOMISLAV R. FEMINICK (*)
A cidade de São Miguel, situada na
região do Alto Oeste potiguar, quase fronteira com o Ceará e
relativamente perto da Paraíba, foi, sem sombra de dúvida, a localidade
que mais sofreu com os ataques da Coluna Prestes no Rio Grande do Norte,
ocorridos em fevereiro de 1926. Esse contingente de revoltosos veio do
Ceará, onde tinha atacado as cidades de Ipu, Crateús e Arneiroz.
Nos dias logo anteriores ao ataque propriamente dito, as noticias davam
conta que a Coluna já deixara a região do Jaguaribe e se dirigia ao Rio
Grande do Norte pelo caminho conhecido como Ladeira do Engenho.
Estimava-se que seu contingente era apenas “70 combatentes”. Para
combatê-los, esperava-se um batalhão de Exército que estaria vindo de
Fortaleza; que nunca chegou. O reforço da Polícia Militar do Estado foi
direcionado para o Seridó, Mossoró e (em menor número) para Pau dos
Ferros.
Pelas péssimas condições de tráfego das estradas de rodagem e mesmo da
precariedade das vias de transporte em geral, a população de São Miguel
(que na época contava com cerca de mil e trezentos habitantes) teve se
organizar para a defesa quase que somente por conta própria. O
historiador Rostand Medeiros (2010) diz que a ata da sessão ordinária da
Intendência Municipal de São Miguel, com data de 03.05.1926, lista
nominalmente vinte “patriotas”, mas informa haver “alguns outros”.
Raimundo Nonato (1966) afirma que naquela cidade o “Núcleo de Patriotas”
foi composto por 20 cidadãos, quatro praças da polícia militar, além do
prefeito de Pereiro-Ce, este acompanhado de mais três homens, o que
daria um total de 28 defensores – embora que “a tradição oral dava
notícia de que a defesa da vila fora feita por 25 homens”. Itamar de
Souza (1989) confirma que a defesa teria contado com 28 homens armados.
Por delegação do governo do Estado, à frente da resistência estava o
presidente da Intendência Municipal (cargo equivalente ao de prefeito
atualmente), João Pessoa de Albuquerque (também conhecido por João Leite
e Coronel do Baixio de Nazaré), coronel da Guarda Nacional, deputado
estadual e que presidiu a Intendência Municipal de São Miguel por um
período de 18 anos, de 1910 a 1928.
Antes de a cidade cair em poder da Coluna Prestes, houve dois embates
entre os revoltosos e os defensores de São Miguel. O primeiro deles
deu-se no dia três de fevereiro, no já citado lugar conhecido como
“Ladeira do Engenho”, em terras da cidade de Pereiro-CE. De onde estavam
entrincheirados, os legalistas avistaram não os esperados “70
combatente”, mas “um verdadeiro exército em marcha”, de uniformes cáquis
e lenços vermelhos em volta do pescoço. Mesmo assim, atiraram e
conseguiram matar um dos integrantes da Coluna. Os rebeldes fizeram um
recuo tático e, logo em seguida, revidaram o ataque utilizando tudo o
seu treinamento militar. Então os defensores se entrincheiram em uma
casa, quando acontecendo um tiroteio que teria durado cerca de duas
horas, até que os defensores fugiram para outro local. Segundo Neill
Macaulay (1977), dois dos legalistas foram feridos, sendo que um deles
“um jagunço cearense, caiu nas mãos dos rebeldes e foi degolado”.
O outro confronto entre defensores (um grupo comandados por Manoel
Vicente Tenório) e rebeldes aconteceu no dia seguinte, quatro de
fevereiro, no “Sítio Crioulas”, localizado perto da cidade de São
Miguel. Houve uma rápida troca de tiros, que resultou na prisão de um
revoltoso, Policarpo Gomes do Nascimento, e no ferimento a bala do
comandante da resistência, que foi atingido na coxa esquerda por dois
tiros de fuzil.
No entanto não havia como menos de trinta homens, embora voluntariosos e
destemidos, vencer um verdadeiro exército. Segundo Rostand Medeiros, o
“documento elaborado pela municipalidade de São Miguel aponta que a
Coluna de Revoltosos era composta de 2.000 homens. Os que se debruçaram
sobre o assunto apontam um número mais
modesto, entre 450 a 1.000”. Qualquer que tenha sido o contingente dos
invasores, a diferença era considerável e apontava para a vitória dos
revoltosos.
Com a perspectiva de uma invasão iminente, pronta a acontecer, e temendo
o que poderia ocorrer, inclusive o risco de morte, grande pare da
população da cidade se refugiou em sítios, em cidades vizinhas ou
simplesmente procurou se esconder na zona rural.
No dia quatro de fevereiro São Miguel caiu em poder das lideranças da
Coluna Prestes. Dezoito estabelecimentos comerciais foram saqueados.
Repartições públicas, o grupo escolar, a agência dos correios e o
cartório foram incendiados. Além disso, houve “apreensão de animais,
armas, roupa e objetos diversos em diversos sítios”. Calcula-se que o
saque aos estabelecimentos comerciais tenha provocado um prejuízo de
mais de trezentos e sete contos de reis (SOUZA, 1989), uma fortuna na
época.
A passagem da Coluna Prestes pela cidade de São Miguel deixou um
verdadeiro rastro de brutalidade, medo, destruição, descalabro e
miséria; tudo igual às passagens das hordas de cangaceiros que
aconteciam nas primeiras décadas do século passado nos sertões
nordestinos. Nenhum idealismo justifica atos de execuções sumárias,
saques indiscriminados (inclusive contra sitiantes pobres e carentes de
tudo) e a guerra de terror. Somente a inconsequência e a leviandade
explicam tais atitudes. Explicam, mas não justificam.
O Jornal de Hoje.
Natal, 14 jan. 1914.
(*) Membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do RN
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